Capítulo Nove (Parte II)

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Publicado: 21/04/2015

Ela encostou o queixo no joelho, analisando a pequena trilha de formigas no quintal. O moletom era a única peça que usava sobre o biquíni, não recordava o motivo, apenas pegara o carro e dirigira até a casa de Hugo. As vozes ficaram indistintas e tudo que desejava era sumir.

— Consegui uma roupa mais confortável, Verônica — ele disse, sentando na cadeira ao lado, a jovem nem se moveu. Os olhos fixos naqueles insetos tão desprotegidos como ela! — Talvez fosse melhor voltar para casa.

— Para que? Outra discussão com meu pai, uma cena de ciúme com Bryan e as ligações de Susan ameaçando revelar tudo. — Ela sorriu sem humor — Estou cansada, Hugo, e falta pouco para que eu resolva jogar o carro numa ribanceira — arrumou os cabelos, suspirando — Pensei que o nascimento de Alexander promovesse um recomeço, só que nada mudou.

— As análises são uma opção, Verônica — ele articulou, pegando-lhe a mão.

— Não é uma opção se continuo com medo, Hugo — ela murmurou uma expressão desconexa e aflita — Não aguento mais os medicamentos, os exercícios, as preocupações, essa atmosfera de segredo. Sinto-me sufocada e piora a cada dia, Hugo — sua voz era marcada pela dor — Meu destino está se assemelhando ao de Otelo.

— Não diga bobagens, Verônica — ele pediu, beijando-lhe a mão com carinho.

— Era esse o compromisso?

Verônica colocou os pés sobre a grama, virando o corpo para a esquerda, os olhos azuis fitavam o namorado com surpresa. De todas as preocupações Bryan tornara-se uma das maiores.

Ele não entendia seus surtos, cuidados e pavores quando mantinham um contato mais íntimo, era uma questão de tempo até que houvesse um descuido e então.... Ela engoliu em seco, desvencilhando a mão de Hugo e finalmente se ergueu.

— Bryan.

— Eu não disse para ficar longe desse cara! — Ele gritou, apontando para Hugo enquanto a outra mão se fechava em punho.

— Ele é meu amigo e você só sabe seguir essa ideia paranoica de Susan! Era para estar me apoiando, confiar em mim, e o que você faz, Bryan? Só ignora meu sofrimento e se prende nesse ciúme possessivo.

Bryan colocou as mãos sobre a cabeça, totalmente irritado.

— A escolha é sua, Verônica.

— Bryan, por favor — ela sussurrou, sem acreditar que o namorado continuaria obrigando-lhe a um afastamento desnecessário do grupo — Você precisa entender minhas razões! — Também se mostrava exaltada e com a medicação temia descontrolar.

— Me explica porra! Estou cansado.

Cansado! Verônica abraçou-se, fechando os olhos enquanto a palavra emitia ecos em sua mente. Ela também apresentava esse cansaço tanto físico como mental. Primeiro uma gripe, para em seguida mudarem o coquetel e em menos de um mês perdera tanto peso. Havia momentos de extrema confusão e os nomes, além dos rostos tornarem-se desconhecidos.

— Então não volte e me proponho a não o procurar — ela disse num sussurro, a garganta seca e um aperto devastador no peito.

— É o que quer? — Bryan perguntou bem próximo.

Verônica demorou a erguer o rosto, odiando sentir essa perda. Nunca fora sua pretensão se apaixonar e naqueles milésimos de segundos via o amor a destruindo, assim como o vírus que habitava seu organismo.

— Agora é! — Confirmou e pela primeira vez lamentou que a tentativa de aborto não tivesse sido concluída há dezessete anos. O que era a vida, quando tudo ao seu redor desmoronava?

— Droga, Verônica — ele segurou na nuca dela, colando as testas. A mão direita alisava com carinho o braço desnudo da jovem para em seguida explorar sua face contida. — Eu não quero uma merda de término por causa disso — Bryan disse com os dentes trincados — Não desista de nós, amor.

Verônica balançou a cabeça, colocando as mãos sobre as de Bryan:

— Mudamos muito e estou cansada desse amor desenfreado.

— Verônica — o sofrimento na voz do rapaz comoveu os demais jovens que observavam. Faltava meia hora para a próxima reunião do grupo de apoio e as vozes exaltadas não eram fáceis de ignorar.

— Vai, Bryan — ela murmurou, sentindo os olhos embaçados — Volte para a universidade, encontre uma jovem legal e seja feliz.

Os lábios dela fizeram uma pequena pressão sobre os deles, embora desejasse aprofundar o beijo e implorar para que esquecesse tudo.

Verônica se manteve firme, acompanhou Bryan até o carro e aguardou. E assim que o automóvel sumiu, Verônica desabou pela segunda vez na vida.

*********

Relato.... Hoje está um dia fresco e Alexander está em meus braços na varanda, o pôr do sol quase terminando e ele balbucia despreocupado. Meu irmão completou dez meses e todos os dias é um novo aprendizado, em algumas ocasiões sinto-me transportada pela sua maneira de encarar a vida e tento esquecer meus problemas. Voltar para casa depois de colocar um ponto final em minha história com Bryan foi devastadora, eu não queria brigar com Marcus ou ainda ouvir que foi a decisão correta. Não foi certo! Mas não vou me sujeitar a tristeza novamente, ainda não estou totalmente recuperada e confesso que pensei em morrer. Inesperadamente Susan marcou um almoço, foi estranho, pois ficamos caladas até seu perdão. Contudo, não tenho certeza se voltará a ser como antes. Eu deveria narrar esse momento, mas prefiro me ater somente à palavra perdão.

LimiteOnde histórias criam vida. Descubra agora