O passado no passado

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— Pro inferno, né? - gritei em alto e bom som para todos eles ouvirem. Taehyung levou as mãos a cabeça e os demais se assustaram. Hoseok passou por mim correndo, indo trancar a porta antes que mais alguém chegasse.

Me aproximei de Jung Kook, ele virava para me encarar. Era a segunda vez que me dirigia diretamente à ele, quis incitar raiva contra o mais novo, mas não era o que eu sentia, a raiva era de mim mesma por ter deixado ele chegar primeiro. Eu era extremamente competitiva, um traço que nem a terapia tinha conseguido eliminar da época dos meus anos de aprendiz a idol. Fechei meu punho em reflexo e Yoongi se pôs entre nós dois.

— Yun, vamos se acalmar... ele não quis dizer isso... - o mais velho falava tentando controlar a situação, ele pôs a mão em minha cintura, forçando-me para trás. Eu e Jung Kook nos encarávamos a ponto de destruir a HYBE inteira.

— Eu sou filha da mãe, mas pelo menos não sou irresponsável... criança. - ofendi ele diretamente, me arrependendo no mesmo momento, já sabia que ele odiava ser chamado assim e tratado como tal. Empurrei Yoongi para frente, me desvencilhando de seu enlace indo direto para cima do mais novo. — Você já contou pra eles o que você faz às noites?

Os olhos ficaram maiores do que já eram e ele deu um passo para frente, ameaçando violência física. Nessa hora todos eles se mexeram descontrolados. Yoongi se pôs efetivamente entre nós dois, virando o recheio do 'sanduíche'. Taehyung puxou Jung Kook com força para trás, mesmo sem fazer muito efeito. Jimin levou as mãos a cabeça, aguardando os próximos passos. Namjoon foi até ele e Hoseok veio até mim, ainda querendo entender o que estava acontecendo.

Mas o único toque que me acalmou foi o de SeokJin, ele segurou minha mão em resposta. Ao invés de raiva, meu sentimento era de tristeza, tudo que o maknae falava era o que eu também achava de mim mesma. 

— Yun... - a voz de Jin sussurrando em meu ouvido me desmoronou, deixei a sala e a empresa sem olhar nenhum deles no rosto. Enquanto descia no elevador, minhas lágrimas caíram como não faziam há muitos anos.

Por que eu era tão afetada por ele?

— Me tira daqui, Sewu... - falei gaguejando, sem parar de chorar.

— A senhorita está bem? Srta. Park, o que houve...?

— Só me tira daqui.

Nós seguimos até minha casa, mesmo com a insistência de Sewu em ficar, o dispensei. Peguei minha moto, assim que ele deixou o condomínio, e dirigi pela cidade, imersa em minhas próprias lágrimas. Há muito tempo atrás, tinha decidido que jamais deixaria qualquer pessoa me afetar dessa maneira, mas não tive controle. Com medo de colocar minha própria vida em risco, fui para o único lugar que eu acharia amor e não julgamento.

Subi para o quarto, que tinha sido meu refúgio muitas vezes ao longo dos anos. Nele eu tinha decidido montar a ONG, ficar em Seoul mesmo sem ver a família e voltar a procurar minha mãe. O RJ estava sob a cama, espirrei algumas vezes, por conta do pó acumulado e me deitei abraçando os joelhos.

Limpe a sua mente, Yun.

Minha consciência tentava me acalmar, para não pensar em bobagens ou desencadear uma crise de ansiedade.

— Eu imaginei que era aqui que você viria. - Jin entrou devagar, depois de algum tempo, me observando.

Ele deitou ao meu lado, encarando o teto, eu permanecia na mesma posição. Provavelmente eles tinham cancelado o ensaio depois da confusão. Solucei um pouco, com algumas lágrimas ainda caindo pelo meu rosto. Ele aguardou o último soluço para por a mão sobre a minha cabeça, era o mais próximo de um carinho de irmão ou pai que eu conhecia, fechei os olhos tentando deixar ele levar toda tristeza embora.

Não era bem um carinho, ele dava tapinhas no meu cabelo, tentando me consolar meio sem jeito, mas mesmo assim que era agradecida por isso. Não era mesmo responsabilidade dele, todos os meus demônios.

Atchim... - voltei a espirrar pelo acúmulo de pó.

— Ah, eu devia limpar isso aqui, mas achei que você não precisasse mais... - disse pesaroso.

— É... eu também. - finalmente falei. Nós dois suspiramos alto.

Ele não é tão infantil como você pensa... e acho que no fundo só quer agradar você. - Jin virou de lado mas eu não o encarei, continuava abraçada em meus joelhos.

— Ótima forma de me agradar.

— Você sabe, nem todo mundo é bom com as palavras... ou tem paciência, ou sabe lidar com rejeição... - ele falava de mim, atingindo meus pontos fracos. Eu encarava o teto, agora, ainda com o pensamento naqueles olhos que me tiravam a dor.

Galaxy.

Jung Kook se materializava bem ali, no teto branco, as milhões de estrelas da noite em Las Vegas, do nosso encontro secreto na boate. Quem explicaria aquilo? E por quê no fundo eu não tinha raiva nenhuma dele por ter me dito o que eu não conseguia encarar?

— Talvez você devesse parar de olhar ele como olha para você. - respirei profundamente com as duras palavras de Jin.

Esse era o problema, então. Minha mente clareada certificou-se de que eu realmente evitava Jung Kook pela culpa que eu sentia em relação a mim mesma, porquê via muito mais de mim nele do que na minha própria identidade que eu tinha formado ao longo dos anos.

Virei de lado, fitando o olhar piedoso do mais velho, ele me abraçava sem toque físico, apenas com a expressão. Seu rosto era desenhado perfeitamente e os lábios lembravam uma cereja. Lembrei-me de nós dois crianças, fugindo das festas, para jogar pedrinhas nos peixes. Ele sempre me encobria quando eu aprontava, levando toda a culpa.

Sua beleza é inigualável, querido Jinnie.

Oppa... toda vez que eu o vejo, o passado volta... ele é muito irresponsável, só faz o que quer... - desabafei, mas nem era isso que me incomodava, cogitei liberar todos os segredos que eu guardava do mais novo, mas só traria mais problemas.

— Não te lembra ninguém? - ele sorriu, me fazendo rir também. — Lembra que quando você resolveu montar a ONG eu te questionei? Você me disse que não era mais uma criança e que eu não devia tratar você assim... eu acho que é isso que ele quer dizer e vocês deviam se entender.

— É... mas eu me vejo nele o tempo inteiro. - admiti finalmente.

— Essa Yun não existe mais... e ele não é você. Você precisa deixar o passado, no passado. - como sempre, ele tinha todas as palavras certas ainda que fossem dos filmes da Disney.

Fechei os olhos, na esperança de adormecer ao seu lado, profundamente. Não sei quanto tempo se passou, mas ele não se levantou. Horas depois ouvi a voz da Lee entre a porta.

— Amor, ela tá melhor?

— Tá sim, acho que vou dormir aqui hoje, tudo bem?

— Sim, imaginei que vocês precisariam disso. - ela me cobriu e me beijou na testa arrumando meus cabelos. Em seguida cobriu Jin e deixou o quarto.

Obrigada por serem meus pais.

Não demorou muito e ele adormeceu, me deixando acordada, relembrando os últimos meses. Minha mente repassava as duras palavras que eu tinha escutado, eu era então a cópia do meu pai.

Talvez ele tivesse razão, eu devia sumir de vez.

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Legacy • Jung KookOnde histórias criam vida. Descubra agora