Alagamento

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Despertei ansiosa, meu corpo estava ensopado de suor do pesadelo: minha mãe me chamava pedindo ajuda e eu não conseguia alcançar sua mão. O sol estava alto no quarto e a janela estava aberta, me movimentei levemente para a esquerda e quase caí da cama de solteiro. Procurei indícios de onde eu estava, o quarto tinha duas camas, mas a outra estava vazia, eu ainda vestia a mesma roupa da noite anterior, e estava toda marcada.

Retirei o casaco tentando me refrescar e observei os Cooky's jogados pelo chão. Estava no apartamento do Bangtan mas devia ter adormecido na sala ao lado de Jung Kook, só não me lembrava como cheguei ao quarto dele, além de tudo ele também não estava lá. Levantei, descendo as escadas com o casaco na mão, minha roupa íntima inadequada deixava meu corpo dolorido.

— Bom dia, ou boa tarde... - a voz grave de Taehyung ecoou da mesa da cozinha, ele bebia sua vitamina enquanto lia um livro tranquilamente de pernas cruzadas.

— Bom... tarde? - coloquei a mão no bolso atrás do meu celular e não o encontrei, corri até a sala procurando o aparelho por todo lugar, o achei em cima da mesa com dezoito ligações perdidas. O relógio indicava uma da tarde.

Oh, porra!

— Alyss? O que aconteceu? - liguei primeiro para o mais importante. — Calma, fala com calma.

O desespero dela era tão grande, que precisei afastar o celular do ouvido para entender seus gritos misturado com o choro. Taehyung abaixou o livro, prestando atenção em nossa conversa.

"YUN! A creche... YUN vem pra cá, agora, a chuva de ontem alagou a creche inteira... eu não sei o que fazer. As crianças...'' 

Levei as mãos a cabeça processando todas as palavras, provavelmente dessa vez não era uma brincadeira do mais novo, ela parecia tão desesperada que meu coração acelerou de uma vez me deixando sem ar. Taehyung levantou subitamente vindo ao meu socorro.

— Você tá bem, Yun-chan? Posso fazer alguma coisa? - ele me apoiou com a mão esquerda enquanto eu juntava forças para pensar.

Mandei uma mensagem para Sewu, explicando rapidamente a situação e ele respondeu quase de imediato dizendo que estava à caminho. Ignorei todas as outras ligações do setor de relações públicas da HYBE. Minha mente só recordava que na noite anterior a chuva tinha sido intensa, mas não tinha nem ideia do que aconteceu depois.

— Você pode, por favor, dizer pro Jung Kook que eu tive que ir... obrigada. - deixei Taehyung em pé na sala, recolhendo minhas coisas espalhadas na saída, tentando não me desesperar.

Seoul sofria com a chuva descontrolada da primavera, os resquícios estavam espalhados por todos os lugares. Ruas alagadas, prédios sem luz, postes derrubados, casas destelhadas. Meu celular acabou descarregando no caminho, o que me deixou ainda mais aflita. Respirei fundo várias vezes com medo de desencadear uma crise de ansiedade e minha mente se lembrou, sem mais nem menos de Jung Kook me carregando até seu quarto.

— Nossa. - Sewu se assustou, depois de perceber que o teto da creche que ficava dentro da ONG tinha desabado com a chuva. 

— Ah não... - desci, ainda tentando entender tudo que tinha acontecido.

Alyss e as mães refugiadas, que usavam a creche da ONG para ter abrigo para os filhos, enquanto estudavam e procuravam empregos, tentavam separar o lixo do que podia ser aproveitado. Seus olhos puxados e acobreados me encontraram desabando em um mar de choro descontrolado.

— Me desculpa, eu.. me perdoa... eu sabia, mas eu... - ela começou a chorar em meu ombro.

— Tudo bem, Mee-chan. Não é culpa sua, eu devia mesmo ter colocado outra pessoa aqui. - eu já era grata por aparentemente não ter vítimas, mesmo com o caos ela já tinha conseguido acionar a defesa civil da cidade.

As crianças é que estavam totalmente impacientes sem entender porquê não podiam brincar. Levantei os olhos para o céu, pedindo ao menos um mínimo milagre. 

— Vem... nós temos muito trabalho a fazer. - tomei a frente e resolvi organizar o desorganizado.

— Mas e a HYBE? 

— Da HYBE eu cuido depois. - entreguei meu casaco para Sewu e comecei a tentar estabilizar as coisas, a defesa civil da cidade já tinha mandado os equipamentos e uma equipe para avaliar o local, mas a sujeira estava por todo lugar, as crianças ficavam cada vez mais impacientes.

— Yun? - Alyss me chamou depois de um tempo tirando a lama do caminho, abrindo espaço e limpando os escombros.

— Hun? - respondi, mas sem levantar os olhos.

— YUN! - ela gritou meu nome com excitação.

Nosso milagre tinha vindo de Mercedez. Jung Kook e Taehyung desceram do carro, os dois estavam de rosto coberto e carregavam vários brinquedos atraindo a atenção das crianças impacientes. Não satisfeitos ainda traziam comida e outros itens pessoais de auxílio a desastres.

— Você que... nossa, chamou eles? - ela me perguntou, vendo Jung Kook tirar várias caixas de mantimentos do porta-malas.

— Não... eu nem... não. - mal consegui responder, sem acreditar naquela cena. 

Não era comum de mim pedir ajuda, aliás eu nunca precisava de ajuda, ou era o que eu achava, eu mal sabia como reagir àquilo. Ficamos nós duas, sujas, em pé, entre poças de lama e escombros de um teto caído contemplando dois idols enquanto eles reuniam as crianças e entregavam os lanches para as mães agradecidas.

O olhos grandes me encararam por alguns segundos lá de longe, Jung Kook curvou a cabeça sutilmente me cumprimentando, e eu fiz o mesmo, extremamente agradecida. Eu queria muito parar e ir até os dois, mas muito ainda tinha que ser feito. Nós entramos pela noite junto com as equipes da prefeitura retirando a sujeira e deixando a entrada do prédio segura enquanto isolavam a estrutura da creche. Ao longo do resto do dia, os professores dos cursos e os demais trabalhadores da ONG também se juntaram a nós. Já Taehyung e Jung Kook ajudavam sempre que podiam, cuidando das crianças, alimentando os trabalhadores, limpando os escombros.

Star... - ele veio até mim, observando as pessoas entrarem no prédio depois de tudo limpo. Ele estava todo sujo de lama, como eu, mas não parecia se importar.

— Obrigada, muito obrigada! - meu corpo estava exausto da rotina dos últimos dias, mas não pude deixar de agradecer, me curvando quase indo até o chão.

— Não, não precisa disso... - ele levantou meu rosto com delicadeza, e aproveitou para limpar minha bochecha e eu sorri envergonhada, pela segunda vez. — Aliás a ideia nem foi minha. Taehyung-ssi me acordou e insistiu que a gente deveria vir. - apontou para o mais velho que conversava com Alyss de maneira descontraída, todo sujo também.

— Sério?

— Sério, sério. Ele mesmo ligou para o Jin-hyung pediu o endereço e tudo mais.

 — Eu não tenho como agradecer vocês.  - curvei a cabeça para ele novamente em sinal de respeito.

— Eu acho que sei exatamente como você pode me agradecer... já que você insiste, mas é um segredo. - ele sussurrou levantando meu queixo novamente com o dedo indicador gelado.

Jung Kook sorria com todos os dentes enrugando o nariz. A semelhança com um coelhinho roendo uma cenoura era inegável mas seus olhos, tão próximos, refletiam todos os pontos de luz ao nosso redor, talvez captando a luz das estrelas que já apareciam, quem sabe dos postes e lâmpadas dos arredores, talvez de si próprio. Ele fechou o punho e eu o toquei em resposta, confirmando.

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Legacy • Jung KookOnde histórias criam vida. Descubra agora