Epílogo

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— Vamos, papai, você prometeu! Acorda, acorda.

Eu estava animado para passar o dia com minha família soltando pipa, mas meu pai continuava dormindo ou fingia que estava dormindo.

— Shhh, acho que seu pai não quer acordar, Artur! O que vamos fazer?

Antônio e meu pai estavam juntos já há algum tempo, na verdade eles se casaram e fomos morar todos juntos e mesmo que as lembranças sejam confusas as vezes, sei que eles são muito felizes, como nunca vi meu pai antes. Gostava de ter dois pais.

— Ah não! Vou pular em cima dele, o que você acha?

— Acho que você pode tentar —, me incentivou sorridente.

Então não pensei duas vezes, me joguei em cima do meu pai, que a essa altura já não conseguia mais fingir que estava dormindo e começou a sorrir da nossa pequena brincadeira. Ele me abraçou com carinho, me fez cócegas e bagunçou meu cabelo.

— Mas que desespero é esse meu filho? O dia nem amanheceu direito.

— Já são nove e meia, amor! — Antônio respondeu cúmplice.

— Nossa, isso tudo?

— Sim, vamos, levanta! Já até preparei o café.

— Ainda bem porque eu to morrendo de fome. Vamos, vamos, papai, levanta.

— Tá bom, já vou.

Enquanto meu pai se arrumava me sentei à mesa da cozinha enquanto assistia Antônio colocando sobre a mesa tudo o que a gente usaria para aquela refeição e, de repente, me peguei olhando para ele, se movimentando entre a bancada da cozinha e a mesa, sorridente, falando comigo, me fazendo lembrar de como as coisas mudaram depois que ele chegou.

Na primeira vez que nos vimos no hospital eu tinha machucado o braço numa briga boba no parquinho do condomínio, ele me atendeu e me fez sentir corajoso e confortável o suficiente para deixar o médico me examinar. Pessoalmente eu não me considerava uma criança birrenta ou mesmo mimada, mas eu tinha medo de hospitais, não sei o motivo. Fato é que o carinho que ele tem por mim desde o primeiro momento que nos vimos chega a ser inexplicável.

Guardo até hoje com muito carinho o livro que ele deu de presente no meu primeiro aniversário que participou, cheio de ilustrações de estrelas, planetas, algumas informações sobre os astros e coisas do tipo. Talvez ele nunca saiba o que aquele livro significou para mim, pois desde que eu era criança me disseram que minha mãe virou estrelinha.

Claro que hoje, prestes a completar onze anos, eu consigo entender as coisas de outra forma, sei que minha mãe morreu, mas ideia lúdica de que ela estava no céu me fez desenvolver um incrível interesse pelo assunto, por astronomia. Na minha cabeça de criança olhar para o céu, para as estrelas, me permitiria ver minha mãe novamente. Eu sentia sua falta!

Por muito tempo o papai também sentia, eu sei que sim. Apesar de ele ter se relacionado com a Vanessa, eu o via algumas vezes quieto, olhando para um ponto fixo por muito tempo, como se algo o incomodasse ou mesmo estivesse faltando. Eu não podia fazer nada por ele, mas pedia todas as noites para a estrela da minha mãe que cuidasse do meu pai, porque me ensinaram a fazer pedidos para as estrelas.

— Artur? Tudo bem? — Antônio perguntou preocupado.

— Ahan, tudo certo! Por que?

— Você viajou, cara! — respondeu sorridente.

— Ah, faço isso as vezes.

— Eu também —, piscou compreensivo.

Me entender era uma das coisas que ele fazia de melhor e, voltando ao meu pedido às estrelas, lembro do dia que sonhei com minha mãe, ela me embalava nos seus braços e me dizia que o papai receberia um presente. Esse sonho ficou comigo por muito tempo, não achei que precisasse compartilhar com alguém, afinal era algo muito íntimo, muito pessoal.

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