Ainda não conseguia deixar minha parte controladora de lado e isso se refletiu logo na primeira noite que passamos juntos. O Davi insistia para que eu dormisse com ele no quarto, mas a mensagem que isso passava para o Artur era uma grande preocupação minha, quer dizer, mesmo estando comprovado que ele não entendia o tipo de relação que existia entre o pai dele e eu, ou, se entendia, não se importava com isso, eu ainda não estava confortável o suficiente.
— Poxa, Antônio, nada a ver isso de querer dormir na sala. Qual o problema de dormir comigo? Agarradinho, sentindo o calor do corpo, dividindo o mesmo cobertor...
— O Artur, Davi, eu não tô confortável com essa ideia.
— O que tem o Artur? — Perguntou meio aborrecido.
— E se ele entrar no quarto durante a noite? Não quero causar esse tipo de impacto na criança.
— Meu Deus! Ele é uma criança.
— Por isso mesmo! Como você acha que ele interpretaria isso?
— Você acha que isso traria algum tipo de impacto negativo pra ele? É isso?
— Não sei mensurar esse tipo de consequência...
Ele cruzou os braços na frente do peito, soltou uma gargalhada, como se fosse a cartada final, mexeu a cabeça para o lado, respirou fundo e continuou:
— Seu medo não tem fundamento, então! Olha, eu sei que você quer ir com calma, especialmente por causa do Artur, mas por que a gente não deixa pra lidar com os problemas quando eles surgirem?!
O argumento dele era muito bom. Efetivamente do que eu tinha medo?! Nem eu sabia responder. Vencido, concordei em dormir com ele.
Mesmo cansado do dia, ainda um pouco preocupado em voltar para minha casa e recuperar o meu espaço, tive energia para aproveitar do fato de estar dormindo ao lado do meu namorado e, como ele dizia, namorar um pouco. Antes de dormir, ele me abraçou por trás, beijou meu pescoço e pude sentir que sorria.
— Tô tão feliz — disse.
Eu já estava adormecendo, então me limitei a apertar mais os braços dele ao meu redor e fechei os olhos. Incrível como mesmo tendo passado alguns dias no hospital eu ainda não me sentia descansado o suficiente, então, da forma como estava, eu dormi, um sono pesado, sem sonhos.
No dia seguinte, para minha total surpresa, acordei com o Artur e o Davi brincando silenciosamente ao meu lado. Confesso que me assustei um pouco, mas talvez fosse melhor tudo acontecer logo para evitar constrangimentos futuros. Coçando os olhos, me sentei na cama e olhei na direção do Davi que me olhava com um sorriso meio frouxo, como uma criança que sabia que tinha feito coisa errada e estava prestes a tomar uma bronca.
— Bom dia! — Disse quase inaudível.
— Bom dia, meninos. Dormiram bem? — Perguntei sincero.
— Bom dia, Antônio. Eu dormi muito bem — respondeu o pequeno Artur. — Como você conseguiu dormir com o meu pai? Ele ronca muito — emendou sorrindo.
— Ei! Eu não ronco — respondeu Davi fazendo cocegas no pequeno.
Enquanto eles brincavam eu não pude deixar de notar em como a cumplicidade deles era algo muito bonito de se ver e assisti em silêncio ao momento matinal daquela pequena família.
— Agora vai tomar banho antes de tomar café que hoje você tem aula extra.
— Ah, papai! Deixa eu ficar em casa, por favor... só hoje!
— Nada disso! O Antônio precisa fazer repouso, pra se recuperar, e isso não vai ser possível com o senhor correndo pra lá e pra cá.
— Mas eu queria brincar com ele.
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Rota de Fuga.
RomanceAntônio, um jovem enfermeiro desiludido pelo amor é pego de surpresa pelo convite de um de seus pacientes para uma festa de aniversário. Numa sequência de acasos de ironias do destino, o rapaz vai percebendo que sua vida, antes muito bem planejada...