Capítulo 4

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Na hora do almoço naquele dia eu me encontrei com a Cris no refeitório e, percebendo que eu estava pensativo, ela se sentou ao lado me despertando de meus devaneios.

— Gente, mas que cara de enterro é essa? Vai me dizer é por causa do bonitão?

— An? Não viaja, garota. Hoje o Celso me chamou na sala dele...

Nesse momento até ela pareceu ficar meio tensa.

— E aí, o que ele queria?

— Ah, veio com uma história de que o hospital está passando por uma reestruturação, que conhece o meu início aqui no hospital e me convidou para integrar a equipe dele na ala de IST.

Boquiaberta, ela pousou o garfo, que estava a meio caminho da boca, no prato.

— E o que você respondeu?

— Nada ainda. Ele me deu um tempo pra pensar, até porque não é o tipo de decisão que se toma de repente.

Ficamos os dois em silêncio. Eu e ela combinávamos como equipe e a mudança de ala colocaria um fim à nossa parceria até ali. Outro ponto a ser considerado antes que eu pudesse apresentar ao Celso minha decisão final.

— Bem, tenho certeza que a decisão que você tomar será muito boa, seja ela qual for. — Virei meu rosto em sua direção e olhamos nos olhos um do outro. — Quer dizer, se tem alguém que pensa mil vezes antes de agir esse alguém é você... exceto quando envolve homem, aí o buraco é mais em baixo.

Rimos, afastando a nuvem mórbida que tinha se estabelecido sobre a nossa mesa.

— O que você acha, Cris?

— Realmente, é uma oportunidade pra você se conhecer como profissional. Além disso, se ele sabe que você não tem experiência e ainda assim quer te dar essa oportunidade, acho que confia em seu próprio julgamento a seu respeito.

— Você tem razão! Mas vamos mudar de assunto.

— Só me promete, Antônio, que sempre virá me visitar e que a gente sempre vai fazer programas quando der.

— Mas, nossa, já tá me expulsando?

— Imagina! Só me antecipando.

— Ok, Madame Lua! Deixa sua bola de cristal de lado por um tempo e vamos terminar nosso almoço.

Por aqueles momentos eu pude esquecer do mundo à minha volta, da escolha que deveria fazer e, principalmente, do Davi. Estar com a Cris era como uma pequena dose de alívio em meio a tantos problemas, principalmente considerando o meu pequeno surto na noite anterior. Pelo menos hoje eu estaria no trabalho, focado, sem qualquer risco de enfiar minha mente em problemas típicos de uma imaginação fértil.

À medida que o dia ia avançando eu ia me ocupando cada vez com mais detalhes. Em certo momento meu bipe apitou para uma emergência e aparentemente se tratava de algum acidente grave. Fui em direção à entrada de ambulâncias e dei de cara com um homem alto, porte atlético, barba fechada, expressão firme e incrivelmente lindo. Sabe quando o tempo para à sua volta?! Fui acordado pelos sons das pessoas à minha volta e então me aproximei da maca.

Era uma adolescente em princípio de overdose. Rapidamente chequei a pulsação da moça e percebi que estava fraco.

— Temos pulso intermitente, doutor.

— Coloquem ela no oxigênio —, respondeu o médico bonitão.

Enquanto ia auxiliando nos protocolos de emergência ia percebendo aquele belo exemplar da espécie bem na minha frente, concentrado. Vez ou outra ele ajeitava os óculos de grau e isso dava um charme à mais e, também, um ar de sofisticação. Mas por que eu estava pensando em homem enquanto a moça no leito estava à beira da morte?! Melhor voltar ao trabalho, afinal o plantão da noite havia começado.

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