Capítulo 10

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Após aquele final de semana na casa do Rocco a semana se iniciou de maneira mais leve, se posso assim dizer. Começamos a trocar mensagens com mais frequência, sempre respeitando o trabalho um do outro, aquele momento gostoso de conhecimento em que vocês não tem um compromisso um com o outro, mas mantém um vínculo romântico. Quer dizer, esse tipo de contato com uma pessoa que entende a rotina do hospital, ainda que casualmente, pode ser muito útil quando se tem turnos de trabalho diferentes.

Na terça feira, como o Celso tinha me informado, era o dia da reunião com a nova equipe, o que seria só por volta das 17h, intermediário entre o fim de um expediente e o começo de outro, á que os componentes da equipe tinham horários de trabalho diferentes. Lá estava eu, após um atendimento complicado com uma criança que queimou 40% do corpo brincando com álcool, refletindo sobre como ruins nos ensinam lições, quando a Cris chegou de fininho.

— Pensando na morte da bezerra? — Perguntou risonha batendo seu ombro com o meu.

— Que nada! — Respondi pensativo. — Pensando em como coisas ruins acontecem todos os dias no mundo, principalmente com crianças. Esse tipo de atendimento me deixa muito mal.

— Imagino! Eu também demorei um tempo até sentir menos o impacto das coisas que acontecem no dia a dia. Quer dizer, na nossa profissão nenhum de nós sai ileso de viver dias terríveis e cada pessoa que entra por aquelas portas tem uma história de vida diferente.

— Nem me fale! A beleza da profissão está exatamente em fazer a diferença na vida dessas pessoas, principalmente eu prometi que faria o meu trabalho "respeitando a vida desde a concepção até a morte, não participando voluntariamente de atos que coloquem em risco a integridade física e psíquica do ser humano"!

— Espera! O que é isso? — Perguntou debochada. — Não me diga que você decorou parte do juramento...

— Ué, por que? Na verdade é exatamente isso! — Respondi orgulhoso.

— Meu Deus, Antônio! — Falou esfregando as mãos no rosto. — Você é mesmo muito caxias.

— Mas, mulher, o que tem de mais em saber o juramento de cabeça?

— Na verdade nada né, mas é um pouco estranho.

— Ah, eu sou uma pessoa estranha! — Emendei. — Falando nisso tenho que te contar as novidades. Parece que tem semanas que a gente não se vê.

— To curiosa! Vamos indo pegar um cafezinho e você me conta no caminho, pode ser?

E lá fomos nós rumo ao refeitório pegar minha milésima xícara de café do dia. Contei para ela a respeito do final de semana com o Rocco e de como estávamos vivendo uma espécie de lua de mel. Preferi omitir o encontro com o Davi porque eu já tinha visto o comportamento dela quando eu falava sobre ele e achava que, por mais que ela quisesse o meu bem, a forma como ela se referia a ele era um pouco dura. Sim, ela tinha razão de que ele era um homem heterossexual, pai de uma criança de noivo de uma mulher estranha, mas isso não queria dizer que eu controlava o sentimento, enfim.

— [...] então ele me acordou pra gente comer alguma coisa no domingo de manhã...

— Chocada estou! Como você dorme com um deus grego daqueles e não me conta?

— Como não conto, menina?! Estou contando agora.

— Dois dias depois do evento... que delay é esse?

— Ah, para de drama! Só não tivemos oportunidade.

— Humm... Mas, e aí? — Perguntou fazendo sinal com as mãos.

— O que?

— Como assim o que?

— Você sabe... — Mostrou as mãos com um espaço entre elas.

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