A partida dos meninos deixou saudades reais, era como se a casa estivesse vazia sem eles. Na segunda feira, estávamos à mesa e eu que percebi meus pais se apegaram tão rápido ao Artur que ficaram se perguntavam se quanto à real possibilidade de uma nova visita, mas, como tinha trabalho a fazer no posto, parti e os deixei em casa curtindo as lamúrias. Eu não precisava chegar tão cedo, já que cedi apenas algumas horas e o tal presidente da comunidade, temendo uma possível reprimenda pelo posto estar aberto, me fez prometer que não excederia esse limite.
Na verdade, tudo o que eu mais queria era ocupar minha mente com problemas reais para me tirar do mundo de fantasia onde minha cabeça tinha se metido após aquela conversa com o Davi. À noite, no domingo, ele me mandou mensagem dizendo que estava no restaurante e que levou o Artur consigo, já que dessa vez os avós não passaram o final de semana com ele. Me peguei rindo como um bobo quando ele mandou uma selfie com Artur e Chico se esbaldando ao redor do pote de pé de moleque feito pela minha mãe.
Davi me agradeceu pela milésima vez pela acolhida dos meus pais e pelos momentos que passamos juntos, me fazendo prometer que assim que retornasse, dali a uma semana, jantaríamos ele e eu no restaurante. Acabei concordando com a ideia, mas, desde então, minha mente ficava vagando, pensando nele e em tudo o que estava acontecendo.
Quer dizer, não que algo estivesse acontecendo de verdade, mas definitivamente estava para acontecer. Cheguei no posto, fiz algumas avaliações até que uma das amigas da minha mãe, Agnes, veio ao atendimento querendo conversar.
— Bom dia, Antônio, tudo bem?
— Olá, Agnes, tudo! E com a senhora?
— Ah,mas eu tô ótima! Sua mãe ainda não sabe, estava indo pra sua casa contar, masquero ser a primeira a te dar a notícia que nosso evento foi um sucesso e agente atingiu a meta e mais um pouquinho! Conseguiremos reformar o postinho equeremos agradecer pelo seu trabalho aqui nesse curto período.
— Imagina! Vocês têm tratado muito bem aos meus pais e eu fico feliz se essa gratidão for revertida em favor deles. Morando longe, nem sempre posso estar ao lado deles e isso me preocupa.
— Pois não se preocupe, menino! Acho que falo por todos quando digo que eles são muito queridos e estão em nossos corações.
Aconversa rolou mais um pouco com traços de fofoca sobre algum vizinho, algo queeu percebi ser comum naquela região. Para não fazer feio, acabava por fazerparte indiretamente do que ela me contava, até que fomos interrompidos por umavoz masculina grossa procurando por ela.
— Tia! Vamos? — Chamou o rapaz atraindo nossa atenção.
— Já vou, Nane! — Gritou de volta. — Aquele é meu sobrinho... pedi uma carona até sua casa e ele veio me buscar. Enfim, foi ótimo bater esse papo contigo, viu?!
Aolonge, o rapaz acenou com a cabeça para mim e eu senti uma certa tensão em seuolhar. Era o rapaz que atendi no outro dia e, do jeito que ele tinha ficado,imagino que ele possa ter pensado que eu estava contando algo para sua tia.Bem, eu com certeza não faria isso. Só me entristecia o fato de saber queaquela simpática amiga de minha mãe talvez compusesse a parte homofóbica dafamília dele.
Mesmo que fosse, não havia nada que eu pudesse fazer por ele a não ser torcer para que nada de ruim o acontecesse em razão disso. Sabia que eu era privilegiado por ter uma rede de pessoas que me davam suporte, que me respeitavam, me amavam e lutavam as minhas lutas por mim se fosse necessário. No caso dele, talvez se sentisse solitário e até mesmo abandonado, sem ter com quem contar.
Tentei afastar aqueles pensamentos da minha mente quando chegou uma senhorinha com sintomas de febre. Fiz uma avaliação do que poderia ser, no limite da minha capacitação, é claro, a mediquei com remédios simples para aquele probleminha de saúde e recomendei a ela que descansasse. A senhora, muito simpática, agradeceu a atenção e foi para casa a passos lentos. O dia correu mais tranquilamente, então eu retornei para casa mais para o meio da tarde.
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Rota de Fuga.
RomanceAntônio, um jovem enfermeiro desiludido pelo amor é pego de surpresa pelo convite de um de seus pacientes para uma festa de aniversário. Numa sequência de acasos de ironias do destino, o rapaz vai percebendo que sua vida, antes muito bem planejada...