Aquele ambiente estava me trazendo certa nostalgia de quando eu era criança e tinha a mesma idade do pequeno Artur. Lembrei dos meus amigos, das festinhas exageradas que por muito tempo mamãe fez questão de me dar, lembrei de uma época em que tudo era mais fácil, o mundo era grande e a imaginação me permitia ir a qualquer lugar sem ter, necessariamente, estado lá. Eram outros tempos. Hoje em dia sou adulto, tenho contas a pagar, um trabalho que apesar de cansativo é o que eu amo, não tenho um namorado e nem mesmo um animal de estimação. Saio com meus amigos, mas, no fim do dia, sozinho em casa, sinto o peso da solidão e tudo o que eu queria era encontrar alguém, ter filhos, trazer de volta aquele sentimento de completude que há muito deixei de sentir.
Não estou dizendo que não aproveito minha própria companhia, pelo contrário, sou tão boa companhia que queria que outra pessoa também pudesse usufruir disso. Não, não estou falando de amigos. Eu os amo, mas queria a outra metade da minha laranja. Meio brega, eu sei, mas eu sou mesmo um romântico incurável, que quer a emoção de um amor seguro, da divisão de tarefas, das brigas bobas por ciúme... Essas coisas de casal.
Enfim, estava eu indo para a festinha de um dos meus pacientes quando essa enxurrada de pensamentos invadiu minha cabeça. Ele estava completando 6 anos de idade e tinha sido muito incisivo em seu convite. Lembro com graça o dia em que aquele menino baixinho, bochechudo e marrentinho entrou na enfermaria porque havia quebrado o braço e no final do atendimento pediu que eu fosse ao seu aniversário.
A graça à qual me refiro foi do episódio em si. Um pai chegou desesperado na emergência dizendo que o filho caiu no parquinho e estava sentindo muita dor no braço, que ele estava preocupado e que precisava ser atendido com urgência. A atendente, pouco solícita, dizia que aquela ala era da emergência e que todos ali estavam esperando por um atendimento. Eu, por acaso, estava passando e ouvi a conversa. Supus se tratar de uma criança já que o homem que se apresentou como sendo o pai do acidentado era muito jovem e bem-apessoado. Me atrevi a interromper aquele diálogo.
— Boa noite, senhor. O que houve?
— Doutor, me ajuda! É o meu filho... ele caiu no parquinho e está sentindo muita dor no braço —, deve ter achado que eu era médico pela roupa que eu trajava.
— Oh, não... doutor não! Sou apenas enfermeiro pediatra.
Rapidamente uma das médicas plantonistas chegou à recepção e, verificando se tratar de um caso de emergência, pediu ao pai que levasse seu filho ao consultório onde faria a avaliação para direcionar ao atendimento. Ele assim o fez. Enquanto o pai (que mais tarde eu descobri se chamar Davi) foi à recepção resolver assuntos burocráticos eu fiquei com o pequeno Artur, então com 5 anos, enquanto a médica ia fazendo exames de rotina para entender a potencialidade do dano. Durante nossa conversa senti que o pequeno parecia temer o pior.
— Seu feio! Meu braço ta dodói... NÃO ENCOSTA AAAAI —, ele dizia enquanto eu tentava demove-lo da ideia de que ele perderia o braço.
— Ei, rapazinho! Calma... a doutora só quer ver o que vai fazer pra sarar seu dodói... — falei tentando transmitir tranquilidade, apesar de ser a última coisa que eu sentia naquele momento tenso.
— Você não é meu tio! Eu quero meu papai PAAAAAAAAI! —, disse começando a gritar.
— Olha, eu só quero te ajudar a sarar logo, mas já que você não quer minha ajuda então ta. Só não reclama quando seu bracinho estiver doendo.
A médica ia dando as costas quando ele disse:
— Ei, eu sou forte. Me ajuda a melhorar meu dodói, por favor! —, aquilo me amoleceu de uma forma que eu nem sei explicar e a ela, que me olhou consternada, também.
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Rota de Fuga.
RomanceAntônio, um jovem enfermeiro desiludido pelo amor é pego de surpresa pelo convite de um de seus pacientes para uma festa de aniversário. Numa sequência de acasos de ironias do destino, o rapaz vai percebendo que sua vida, antes muito bem planejada...