Dizem que quando você encontra sua alma gêmea tudo começa a fazer sentido, a espera vale a pena, o tempo à sua volta para e vocês se conectam de uma maneira tão mágica, tão absurdamente diferente de tudo o que você já viu ou sentiu. Era assim que eu me sentia naquele momento mágico. Só que, de repente, o peso daquela situação caiu com tudo sobre meus ombros e eu, analítico que era, apesar de gostar do que estava acontecendo, senti que eu devia me afastar rapidamente. E foi o que eu fiz!
— Eu... é... bem... — Eu me esforçava, mas nada saía da minha boca.
— Ai meu Deus! Isso foi tão incrivelmente... — Davi começou a falar.
— Inapropriado! — Emendei ficando de pé e passando as mãos pelo meu cabelo.
— O que?! Não! Eu curti! — Respondeu a meias palavras.
— Davi — falei respirando fundo, — nada disso foi real. Descansa, tudo bem? — Perguntei assustado. — Se precisar de alguma coisa você pode ficar à vontade. A cozinha é logo ali e o banheiro, bem você já conhece. Se passar mal, meu quarto fica bem ao lado do banheiro.
— Ok! Eu preciso mesmo dormir. — Disse apoiando a cabeça no travesseiro e ressonando logo em seguida.
Fiquei por ali alguns minutos vendo ele dormir, me obrigando a não ser tão racional. Na verdade, já devia ser meia noite e quem é que consegue pensar bem a uma hora dessas?! Ainda mais depois de tomar alguns goles. Cruzei meus braços, olhei para todos os cantos possíveis, mas eu ainda estava vidrado na fragilidade daquele homem deitado ali no meu sofá. Ah destino! Por que logo comigo?
Depois de uns cinco minutos ali parado, vivendo aquele conflito interno entre ter gostado do que aconteceu e as circunstâncias que envolvia àquilo tudo, decidi que era melhor eu me deitar. E deitei! Mas eu não conseguia dormir, eu não conseguia parar de pensar naquele beijo e nos flashes da silhueta daquele homem perfeito pelo box embaçado do meu banheiro. Rolei mais algum tempo pela cama. Não estava funcionando!
Por mais que eu estivesse cansado, com sono, a adrenalina daquele beijo, daqueles momentos que antecederam o beijo, a sensação das malditas borboletas no meu estômago, não saíam de mim. Fui até a pequena varanda no quarto, abri as janelas e deixei a brisa gelada entrar e me deparei com uma noite limpa, céu estrelado. Me lembrei da minha velha luneta, aquela mesma que eu ganhei na época da escola, então abri meu guarda-roupas naquela parte onde ficam as coisas pouco usadas, acho que todo mundo tem ela, e achei a pequena caixa em veludo vermelho.
Meio empoeirada, mas totalmente funcionando, coloquei a luneta em posição e comecei a observar os astros e como eu sentia falta daquilo! Fiquei ali perdido em pensamentos e vi quando um corpo celeste rasgou o céu. Óbvio que eu não acredito em estrelas cadentes que, magicamente, realizam desejos, eu até estudei sobre aquilo. Mas o meu lado romântico falou mais alto e eu fiz um pedido.
Instantaneamente lembrei que eu tinha prometido ao Artur que eu mostraria para ele os astros, demonstraria como funciona a observação do céu e isso me levou diretamente para o Davi, que estava dormindo tranquilamente na minha sala. Droga! Eu não acreditava que o simples fato de observar as estrelas, que tinha me dado momentos de um esplendido prazer, agora estavam me lembrando do que eu queria esquecer.
Eu não podia ceder àquilo! Precisava retomar o controle dos meus sentimentos, do meu coração, da minha cabeça e até do meu estômago. Àquele ponto era inadmissível que eu me permitisse trilhar aquele caminho. Além do mais o que aconteceu foi resultado do álcool no sangue, dos sentimentos confusos que estavam em nossas mentes. Na minha, a carência, na dele a saudade de sua esposa, a mãe do seu filho.
Isso me lembrou que ele era noivo e que, provavelmente, estava prestes a se casar, apesar de todo o contexto que eu já conhecia. Eu não podia transformar aquele simples beijo em algo significativo o suficiente para me tirar a paz. "Não, Antônio! Isso não foi nada, você sabe. Amanhã ele acordará, não lembrará de nada disso e, se lembrar, vai culpar a quantidade razoável de álcool que ingeriu. É isso! Não vale a pena. Volte para a cama, tente dormir!".
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Rota de Fuga.
RomanceAntônio, um jovem enfermeiro desiludido pelo amor é pego de surpresa pelo convite de um de seus pacientes para uma festa de aniversário. Numa sequência de acasos de ironias do destino, o rapaz vai percebendo que sua vida, antes muito bem planejada...