De alguma forma eu sabia que aquilo não resolvia as coisas, mas estava dando minha contribuição para minimamente a gente voltasse ao que era. Após o beijo, Davi olhou no fundo dos meus olhos e eu pude ver que uma sombra grave pairava em seu olhar, fazendo o sorriso que eu trazia em meu rosto se esmorecer aos poucos. Retirei calmamente minhas mãos de seu rosto e, como se perdesse o sustento da cabeça, Davi respirou fundo e fitou o chão.
— Ahnn... oi —, disse quebrando o silêncio. — Tudo bem?
— Oi, Antônio. Tudo certo! E com você?
— Não! Nada certo, Davi.
— Como assim?
— Olha só essa cara de mágoa.
— E você esperava que eu estivesse como exatamente?, o tom frio em sua voz me deixou com uma pontinha de dúvida sobre o que vinha pela frente.
Realmente a mágoa que ele carregava era palpável, dava para sentir o amargor nas palavras que ele proferia e eu sabia que aquela situação se prolongaria por dias se eu não desse o primeiro passo. Sim, eu estava errado, sei que devia ter primeiro conversando e ouvido a opinião dele sobre receber Hernandes na minha casa.
— Olha Davi —, respirei fundo — eu vim aqui pedir que me perdoe por seja lá qual for a acusação que você tem contra mim. De verdade, não era assim que eu imaginava que as coisas funcionariam.
— E você queria o que?! "Ah, que legal, você mora sozinho e vai receber um homem na sua casa para passar alguns dias... vamos todos para um feliz passeio no parque, que tal?", e ali estava a acidez sarcástica que eu sei que ele não gostava de usar. Talvez eu merecesse mesmo. Talvez!
— Davi, pelo amor de Deus! Você consegue ouvir alguma palavra do que está dizendo? — Perguntei dando as costas para ele.
— Não! Não consigo. Estou com raiva! Com muita raiva —, gritou. — Você age como se a vida fosse um grande conto de fadas e ignora totalmente o fato de que eu faço parte dela quando toma suas decisões. Isso me deixa frustrado, saber que você nem ao menos cogitou a possibilidade de conversar comigo sobre receber um estranho na sua casa e só teve o trabalho de me comunicar.
É, ele fez! Jogou na minha cara tudo o que eu já tinha concluído e tornou ainda mais difícil a minha tentativa de resolver as coisas. Realmente aquela era uma situação a ser, pelo menos, comunicada, e não tomada de qualquer forma, especialmente porque, até ali, apesar de se mostrar totalmente compreensivo, Davi já tinha dado sinais de suas inseguranças.
— Você tem razão! Eu errei. Vim até aqui pedir que você me perdoe, mas, aparentemente, isso também foi um erro. Devia ter esperado a poeira baixar, porque por mais que isso não tenha sido assim tão grave, acho que nada, nem mesmo a sua pior visão de mim, justificaria ser tratado dessa forma.
— E lá vem você de novo tentando amenizar sua culpa me culpando pela forma como eu falei. É difícil pra você entender como isso é ruim? Você se colocou no meu lugar ao menos uma vez?
— Davi eu não quero prolongar esse assunto e muito menos tomar o seu tempo. Eu errei? Sim, reconheço e estou aqui pedindo perdão por isso. Justifica a sua fúria? Definitivamente não. Então, assim, se você quiser conversar quando estiver mais calmo, sabe onde me encontrar, ok?! Se cuida!
Sem olhar para trás, saí dali o mais rápido possível. Nem de longe a conversa que eu desenhei na minha cabeça se parecia com a confusão de coisas que aconteceram naquele momento e eu me peguei lutando contra lágrimas que queriam rolar pelo meu rosto. Perdi o apetite totalmente, mas sabia que não podia ficar sem comer, então comi alguma coisa pela rua só para forrar o estômago, e voltei imediatamente para o hospital.
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Rota de Fuga.
RomanceAntônio, um jovem enfermeiro desiludido pelo amor é pego de surpresa pelo convite de um de seus pacientes para uma festa de aniversário. Numa sequência de acasos de ironias do destino, o rapaz vai percebendo que sua vida, antes muito bem planejada...