No outro dia amanheci renovado, em vários sentidos. Um deles se devia ao fato de que era um novo mês, uma nova escala de plantões e também ao fato de que minhas férias estavam próximas. Tudo o que eu precisava para ir trabalhar feliz e motivado, além, é claro de uma xícara de café. Dei uma corrida no parque perto de casa antes de ir para o hospital porque o dia estava incrivelmente lindo, um daqueles raros dias de sol em meio a uma cidade costumeiramente nublada.
Em determinado momento me sentei num dos bancos próximos ao lago e fiquei observando as pistas de corrida do lugar aos poucos serem tomadas de pessoas dos mais variados jeitos e, novamente, me bateu aquela sensação de que eu poderia estar ali compartilhando daquele momento com alguém. O que estava acontecendo, então? Dentro de mim eu estava me culpando por não ter um namorado, quando, na verdade, eu nem mesmo estava me esforçando para levar qualquer casinho a diante.
O fato é que os famosos encontros casuais ainda não tinham sido suficientes para me fazer conhecer uma pessoa que valesse a pena ter um envolvimento para além do casual. Quer dizer, parecia que eu sempre atraía o mesmo tipo de perfil: pessoas desinteressadas, fora de sintonia com meus planos de futuro, de crescimento. Isso me incomodava de uma forma tão grande que eu já perdia o interesse ali mesmo. Fui desperto por uma pessoa que se sentou ao meu lado sem qualquer pretensão:
— Seja lá o que tem naquela água parece bastante interessante.
Quando olhei para o lado não pude esconder minha cara de surpresa, afinal eu realmente estava surpreso.
— Davi?! Bom dia, não te vi chegando. Você tá aí há muito tempo?
— Não —, respondeu sorridente — acabei de chegar, na verdade. Correndo? —, perguntou olhando para meus trajes.
— Pois é, aproveitando esse clima já que não é sempre que a gente tem essa oportunidade.
— Faz muito bem! Eu nunca te vi por aqui...
— Pois é, eu não tenho muito o costume de fazer isso, pra ser sincero. A rotina acaba tomando muito do meu tempo e quando posso quero mais é descansar. Mas, e você, o que faz por aqui?
Foi minha vez de bancar o enxerido e perguntar o que ele fazia por ali, já que ele não parecia estar ali pelo mesmo motivo.
— Eu trabalho aqui perto! De vez em quando venho aqui pensar na vida —, disse com um sentimento de pesar.
— É o que eu mais tenho feito nestes últimos dias. Como vai o Artur?
Esta pergunta fez ele mudar de semblante na hora, como se fosse um raio de sol em um dia nublado.
— Ah, meu filhote ta em casa abrindo os presentes que ganhou.
— Imagino! Tenho boas memórias do dia seguinte ao meu aniversário quando criança.
Um silêncio começou a se instalar enquanto nós dois olhávamos para as águas calmas do pequeno lago à frente, perturbadas apenas pelos movimentos das famílias de patos que por ali nadavam.
— Minha nossa! Olha a hora... preciso mesmo ir, Davi. Mande um abraço para o Artur —, disse me levantando apressado.
— Certo! Bom dia.
Com um aceno de cabeça, me despedi e fui o mais rápido possível para minha casa, pois precisava me arrumar e correr para o hospital. No caminho fiquei pensando em como o destino estava sendo irônico comigo, já que no dia anterior eu ia jurando que nunca mais voltaria a vê-lo novamente. Além disso, a lembrança do sonho erótico da noite anterior me fez perceber que eu não entendia mesmo o que estava acontecendo comigo, com meus impulsos, com a minha mente.
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Rota de Fuga.
RomanceAntônio, um jovem enfermeiro desiludido pelo amor é pego de surpresa pelo convite de um de seus pacientes para uma festa de aniversário. Numa sequência de acasos de ironias do destino, o rapaz vai percebendo que sua vida, antes muito bem planejada...