🐬 01. GOLFINHO🐬

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— Fala do meu amigo de novo que eu quebro essa porra que você chama de cara!

Encurralei o goleiro do time de futebol em uma parede, o qual divide a seção dos chuveiros dos armários do vestiário. Aquele infeliz, trêmulo e apavorado, luta contra a minha mão em seu pescoço, com uma força tão intensa que deve estar pedindo a Deus para que eu não o mate ali mesmo. E eu, simplesmente adoraria socar a sua cara até ele perder os sentidos.

— Eu juro que não! — ele rogou, sentindo a dificuldade de respirar devido a asfixia. Ainda julgo sobre a minha força aplicada ali, ser fraca demais para tamanha atrocidade há pouco dita em meus ouvidos.

Soltei minha mão do pescoço daquele desgraçado, já um pouco mais calmo, declaro enquanto encaro ferozmente para quem estiver ao meu redor:

— Ótimo, espero mesmo que guardem o recado. E isso vale para todos aqui, quem falar do Noriaki vai conhecer bem os meus punhos!

Sinto-me como um animal lutando por seu território. Minhas mãos trêmulas sequer conseguem jogar a toalha sobre meu ombro suado, após uma intensa partida de futebol no qual dei minha alma em busca da vitória. Eu realmente preciso de um banho, principalmente após suar ainda mais depois dessa briga.

— O que estão olhando, seus imundos? — gritei para todos, demonstrando o meu poder e força. Eu queria mostrar o quanto fico furioso sempre que ouço qualquer ofensa preconceituosa sobre o meu melhor amigo, que jamais, em hipótese alguma, merecia receber esses tipos de comentários tão ruins sobre sua a doce personalidade.

Noriaki Kakyoin é o seu nome. Doce como uma cereja, — que inclusive são as suas frutas preferidas — Noriaki é o tipo de pessoa que jamais machucaria o coração de alguém. Nós nos conhecemos desde a primeira série, eu lembro que ele sempre foi desse jeito, amável com tudo e com todos independente dos problemas.

Inclusive problemas esses como eu. Sim, vejo-me como um problema, um total arruaceiro, sem futuro, uma completa perdição numa família tão nobre e respeitada como os Kujo. Eu desabei sobre o banco do vestiário e abaixei a cabeça, questionando-me por um instante. Um dia, eu poderia perder a cabeça e machucar de verdade alguém que ofendesse Noriaki a ponto de talvez ser preso.

Eu só tento muito me controlar, pois Noriaki ficaria decepcionado demais comigo, mas tem vezes que não dá para segurar.

— Aí Jotaro! — o centroavante do time passou por mim e atirou em minha direção uma peça de roupa. — Tá com a cabeça no mundo da lua? Esquece isso de novo no campo, que o treinador te mata!

Desenrolo a camisa e visualizo o enorme 17 junto do meu sobrenome, Kujo. Abaixei a cabeça e lembro do infeliz motivo que me fez ir mais cedo para o vestiário.

— Eu já estou morto mesmo, então não vai fazer diferença alguma — jogo a camisa roxa do time em meu ombro e me levanto.

O cartão que tomei mais cedo é tão vermelho quanto o sangue que subiu à minha cabeça. E ele ainda ferve em meu corpo tanto pela situação vivida em campo, quanto pelo desgraçado que espalhou por aí que o meu melhor amigo estava transando com Caesar; o nosso novo professor de artes recém transferido. Ao menos já havia cuidado dele, mesmo que agora meus dedos estejam inchados e precisando de uma boa compressa gelada, ou talvez de uma massagem.

— Tá tudo bem, Kujo? — Como sempre sorrateiro, Pierre assustou-me. Arremessou a camisa fedida dele em minha direção e não se importou em exibir aquele traseiro pálido para mim. Mesmo com nojo, tirei a camisa do avesso e a arrumo sobre o banco, deixando o número 7 e o nome "Polnareff" bem visíveis para todos que passassem pelo vestiário.

— Yare yare, ainda vem me perguntar?

— Relaxa, relaxa — Pierre sentou próximo a mim e envolveu o braço ao redor dos meus ombros — Escuta, sabe a Marina? Aquela garota do segundo ano? Bem, ela está dizendo a todas as amiguinhas que quer sair com você.

Abaixo a cabeça e dou um suspiro, sentindo uma enorme derrota em todos os aspectos. A última coisa que me interessa no momento é sair com alguém, eu já me sinto irresponsável o bastante para cuidar de mim mesmo, quanto mais de outra pessoa. Só que, claro, eu não precisava contar ao Pierre o verdadeiro motivo, tudo que eu preciso fazer é mentir de forma descarada:

— Não vai rolar, já estou saindo com outra garota.

— Como?

— Ela não é daqui da escola. — não me sinto na obrigação de dar detalhes da minha vida, digo, das minhas mentiras. Levantei e enrolei a toalha em minha cintura. Está cada vez mais dando motivos para adiar o banho do qual necessito mais do que qualquer outra coisa.

— E ela é ao menos bonita? — Insistiu Pierre. Eu já estou começando a ficar agoniado e me arrependendo por ter criado uma mentira para fugir da situação, e uso algumas poucas palavras para não estender demais o assunto:

— Sim, ela é.

— Então pronto, agarre essa gostosa e assuma de vez, Kujo!

Eu não consigo usar tais palavras para me referir às mulheres. Mesmo com meu comportamento áspero, eu as trato de forma completamente neutra, afinal não quero que façam com os outros as mesmas coisas que fazem com Noriaki.

E por falar em Noriaki, um brilho forte iluminou todo o interior do meu armário aberto. Estendi o braço e apanhei o celular, vendo a tela explodindo em brilho por causa de uma notificação. Eu já esperava uma mensagem do meu amigo, afinal é com ele que vou almoçar agora a tarde.

"E então, vamos comer no shopping ou prefere a comidinha da sua mãe?"

Levei a mão à boca para disfarçar meu riso ao ler a mensagem. Adoro a forma como ele nunca perde o seu humor apesar das merdas que está acostumado a ouvir o tempo todo. Esqueci, por um momento, a fúria que ainda faz meu corpo arder em ódio com os boatos terríveis de mais cedo, e esse é o efeito que Kakyoin tem em meu corpo.

A dualidade de Noriaki contrasta com a personalidade grosseira que possuo, e ele é um suporte e tanto nesses momentos mais tensos. Gosto de o ter por perto justamente para segurar os impulsos destruidores que pairam em minha mente.

Sem pensar duas vezes, desbloqueei a tela e abri o aplicativo de mensagens. A briga de mais cedo fora tão intensa que quase me esqueço de que havia marcado para almoçar com ele hoje.

"Estou um pouco atrasado, preciso tomar um banho antes."

Noriaki jamais ficará sabendo que ele é o motivo de todo o meu atraso. Eu vou, a todo custo, esconder do meu melhor amigo o ocorrido de hoje, afinal sei que ele irá ficar chateado.

"O que quer comer hoje? Coisa saudável ou porcarias?"

Eu sei o quanto Noriaki ama fast-food, mas ultimamente estou com minha alimentação sendo limitada por causa do time, já que atletas não podem engordar.

"Não posso comer coisas gordurosas, se eu for expulso do time a culpa é sua, cerejinha."

Tenho certeza que Kakyoin deve ter rido do apelido no momento em que recebeu de volta a mensagem. Eu o conheço bem, sempre que nossos apelidos da época do primário dão as caras, uma gargalhada o sufoca onde quer que ele esteja.

E isso quase nos levou a ser expulsos de uma igreja uma vez.

"Eu te espero na escada rolante às duas, golfinho."

Agora eu quem ri, mas não da forma como Noriaki gargalha com os apelidos. Se hoje nos divertimos com isso, a culpa é das nossas mães que, no primário, fizeram roupinhas temáticas para cada um de nós; eu estava vestido de golfinho e Noriaki de cereja. E por coincidência, foi no mesmo dia dessa confraternização que interagimos pela primeira vez.

Lembrar de todos esses momentos juntos fez com que a fúria de antes deixasse de existir.

Joguei o telefone novamente no armário, bati a porta com mais força do que a qual usei ao agredir aquele estúpido mais cedo. Tudo que eu mais preciso agora é esfriar a cabeça e um bom banho gelado esfriará até mesmo a minha alma do avesso.

Já que em breve, Noriaki também irá me esfriar, mas do seu jeito.

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Lieblingsmensch | (Jotakak)Onde histórias criam vida. Descubra agora