Lieblingsmensch | (Jotakak)

🐬27. GOLFINHO🐬

Quando penso que venci toda a dor, ela volta e me derrota mais ainda.

É terça-feira, e estou distraído. Não consigo me concentrar na aula prática de química, e o professor Kira de vez em quando lança a mim alguns olhares atentos, pronto para me dar algum sermão por estar tão desconectado da atividade. A folha contendo algumas perguntas continua intacta, o lápis sequer se moveu desde que o deixei em repouso sobre a mesa.

Só tenho olhos para o telefone, contando as horas para a aula acabar, preciso ler a atualização do livro de Noriaki, e estou desesperado, tentando forçar o professor a me tirar de sala. Diante de mim, sobre a mesa, uma sequência de tubos de ensaio contém alguns ácidos que ainda estão intactos. Sou forçado a analisar a atividade e a como manusear os líquidos em questão.

Na madrugada de sábado para domingo, mamãe me disse para não ler o próximo capítulo quando este fosse lançado, pois iria apenas piorar o meu humor. Eu até fiquei calmo, embora eu tenha ficado o dia inteiro embrulhado debaixo de um cobertor e gemendo de febre. Sim, a mísera chuva que peguei na madrugada me deu um resfriado terrível. Se eu não tivesse finalizado a resenha no sábado, estaria muito, mas muito frito.

Deixei a segunda-feira para repousar um pouco mais, mesmo já recuperado da doença, meu psicológico ainda se adaptava a todas as mudanças que levei tanto tempo para aceitar. Faltar aula não foi uma opção ruim. Ruim foi eu ter que seguir o conselho de Holly e ignorado o capítulo assim que ele foi lançado na noite de segunda-feira, trocando a leitura por uma agitada noite de insônia. Passei a madrugada inteira lutando para não ler o capítulo, e é por isso que agora estou desesperado.

Basta a forma como Noriaki me trata para me deixar curioso com os motivos daquela cruel mensagem.

Mesmo forçando uma expulsão da sala, tenho que disfarçar para que o professor não seja tão ríspido comigo. Eu sei como manusear todos aqueles compostos, já que mesmo sendo ruim em literatura, química e biologia são meus fortes. Minha falta de concentração chama a atenção de Kira. Ele sabe que sou bom na disciplina, e que tem algo me desconcentrando na aula.

Dou mais uma olhada tentadora para o celular. Professor Kira se aproxima de mim, com as mãos para trás, cutucando o paletó roxo. Tento não dar na cara que não me interesso pela aula, só que ele é frio como um psicopata e entende de imediato minhas intenções.

A presença do professor ao meu lado me causa um branco tão desesperador, que um dos elementos químicos não reagiu corretamente com o outro, provocando assim uma cortina de fumaça que emanou de um dos tubos de ensaio diretamente para a minha cara, me sufocando por um instante e provocando uma tosse seca.

— Jotaro? — Kira me chamou, ainda mantendo as mãos atrás do corpo. Poderia ao menos me ajudar a abanar aquela fumaça para longe da minha cara, mas em vez disso ele declara. — Se quer tanto brincar com o celular, por favor, saia da sala.

Meu plano funcionou! Agarrei o telefone como se o mesmo fosse a coisa mais importante da minha vida. Juntei rapidamente meus pertences e antes de sair, dei uma espiada para Noriaki. Ele disfarçou e abaixou a cabeça para evitar o encontro do nosso olhar.

Noriaki não entende o meu desespero. Por ter dormido tarde, cheguei atrasado naquela manhã e entrei na sala aos tropeços, ofegante e com o nariz ainda escorrendo. A primeira pessoa da turma no qual olhei não foi o professor, e sim Noriaki. Só que a mesma coisa aconteceu: ele desviou o olhar, como se eu não existisse e não fosse alguém importante em sua vida.

Droga, isso tinha que doer tanto assim? Na primeira aula, sentei na mesa ao seu lado, mas Nori levantou e trocou de lugar, deixando-me envergonhado e totalmente inútil a ponto de sequer reunir coragem e o questionar sobre o motivo que o leva a me tratar assim.