— Lisbela — a voz da Rainha, quase mística, ecoou pelo pequeno corredor de serviços. Suas pernas vacilaram outra vez e foi preciso retomar o controle do corpo para que não caísse ali mesmo.
— M-majestade — gaguejou, enquanto encarava o chão, praguejando mil vezes internamente por ser tão tola. Era incapaz de encará-la diretamente. — Eu...
— Poderíamos conversar em um lugar mais... discreto? No pátio, talvez?
Lisbela arregalou os olhos. Nada de bom poderia surgir de uma conversa particular com a Rainha.
Ainda assim, não era como se tivesse escolha. Um pedido de um monarca era como uma ordem subentendida aos súditos.
Ela assentiu e Constance a guiou até o exterior do pequeno castelo, onde a carruagem real estava estacionada e não havia qualquer pessoa ali além de seu cocheiro.
— Eu tenho uma proposta a lhe fazer, menina, e temo que seja confusa demais para que eu consiga explicar com todos os detalhes.
Lisbela engasgou com a própria saliva e tossiu até que suas bochechas se tornassem tão vermelhas quanto era possível.
— Acalme-se! Garanto-lhe que não é nada ruim. Na verdade, deve encarar meu pedido como a grande chance da sua vida.
A menina piscou os olhos, atordoada. Além do temor sobre o que viria a seguir, agora havia também uma certa curiosidade crescente dentro de si.
— Vossa Majestade pretende que eu trabalhe na fortaleza...?
— Não. É maior que isso — advertiu Constance, e, antes que ela pudesse recuar, continuou: — Eu não sei o que justifica tal coisa, mas a senhorita deveria saber que é, inexplicavelmente, idêntica à princesa de Jasgônia. É estranho, eu sei, mas... A princesa de Jasgônia está morta agora, entende? E, bem...
Lisbela não conseguiu se conter. Uma risada atropelada escapou de seus lábios em um reflexo de puro nervosismo. A maior tolice que ouvira em toda a sua vida era aquela. Como poderia ela, sem qualquer vestido bonito, penteados extravagantes e jóias valiosas ser parecida com uma princesa?
A Rainha cruzou os braços, impaciente, e foi somente aquilo que a fez segurar as gargalhadas.
— Me desculpe, Majestade, é que... Bem, como a senhora bem pode perceber, eu não tenho absolutamente nada a ver com uma princesa — observou Lisbela, e, como se aquilo já não lhe parecesse óbvio o suficiente, ela ainda fez questão de apontar as próprias vestes da criadagem de lorde Soren. — Realmente nada. Acredito que isso é uma... — loucura, pensou em completar. Mas a verdade é que temia demais pela própria cabeça a ponto de fazer aquilo. — Coincidência pouco provável.
— Escute, por favor, com seriedade. — Lisbela assentiu e Constance prosseguiu: — A princesa foi assassinada sob a minha proteção. Sabe o que acontecerá caso Jasgônia descobrir? Guerra. Nosso reino será destruído em uma terrível guerra e, mais cedo ou mais tarde, todos nesta cidade serão mortos ou dominados pelo outro reino. Isso acontecerá, querida, se recusar minha proposta. Quero que você assuma o lugar da princesa e se case com o príncipe.
— Ah? — Lisbela não conseguiu esconder sua confusão daquela vez. A boca, entreaberta em um perfeito "O", harmonizava com as sobrancelhas franzidas em uma expressão caricata e incrédula. — Me desculpe, mas... O que?
— É exatamente o que ouviu. Não peço para que responda isso agora, mas espero pela sua decisão até o final do dia. Onde poderei encontrá-la?
— Hã... — Lisbela não conseguia verbalizar qualquer coisa que fizesse sentido naquele instante. A verdade era que nada em sua vida parecia fazer sentido. Como poderia ela, em um dia absolutamente comum, se tornar princesa? Aquilo era loucura. Mas era uma loucura decretada pela Rainha, e pouco havia a fazer naquelas circunstâncias. — Eu moro na Vila dos Pescadores, casa número oitenta e sete...
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A ascensão da Rainha | Livro I | Trilogia Declarações de Amor e Guerra
RomanceDesde a última grande guerra envolvendo a Península Lesíada, os reinos de Jasgônia e Verdela estreitaram as suas relações e decidiram selar a aliança entre as duas maiores monarquias da região em um casamento entre Lenora, princesa das Terras Fértei...