CAPÍTULO XIV

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Lisbela passou os olhos pelo corredor, examinando auspiciosamente as colunas de mármore que cresciam muito além de sua altura e terminavam em uma sequência de abóbadas escuras, cujas pinturas de seres divinos, guerreiros e grandes chamas de fogo a faziam estremecer. Os traços daqueles desenhos lhe pareciam absurdamente reais, e os homens caídos que a encaravam com seus olhos avermelhados espremidos em feições de raiva e bravura pareciam julgar-lhe intimamente.

Havia falhado com o reino.

Aquela era a única coisa que ecoava pela sua cabeça enquanto caminhava ao encontro da Sala do Trono. Tinha certeza de que o encontraria lá.

Nos últimos tempos, Romeo passava mais tempo naquele salão do que no próprio quarto. E, mesmo que enquanto estava em sua companhia o rei insistisse que aqueles eram os melhores dias de sua existência, a ruga de preocupação que se aprofundava no meio de sua testa denunciava o contrário.

Romeo estava preocupado. Ainda que nenhuma grande adversidade houvesse acontecido nos dois últimos meses e as coisas estivessem mais calmas do que poderiam imaginar, a situação do reino não era tão próspera. O outono já se fazia presente em cada vento que soprava feito o sussurro de um fantasma pelos vitrais do castelo e a colheita havia sido um fracasso. Embora a terra houvesse florescido como nunca e os frutos das plantações tivessem crescido com abundância, na maioria dos campos, queimados sem qualquer pudor ao longo do último ano, o único produto havia sido as cinzas e nem mesmo a prosperidade das poucas fazendas intactas parecia suficiente para abastecer toda Verdela. Em Jasgônia, o crescimento do Movimento Revolucionário também fora responsável por dizimar boa parte das plantações no último mês. Nem mesmo todas as importações pareciam suficientes nos cálculos de lorde Isidore. 

O inverno se aproximava. E a promessa do retorno da fome à Península também. 

Não apenas essa situação era responsável pelo sono perturbado do rei. Romeo nunca fora apegado aos sentimentos, e, habitualmente, preferia confiar suas decisões nos fatos e evidências. Mas a dor pungente que lhe cortava o peito diariamente parecia ter um significado maior. 

Mestre Lineo o alertara, toda calmaria precede uma tempestade.

O rei sabia que havia algo errado. Algo terrível estava prestes a acontecer. E como poderia ele, com apenas uma espada, lutar contra a imensidão que é o destino?

Lisbela cruzou o arco de pedras que findava aquele corredor. Do outro lado, onde vitrais translúcidos se abriam no ponto em que as paredes encontravam o teto, permitindo que os raios solares os cruzassem no ângulo exato para que incidissem com toda a majestosidade do Astro-Rei sobre o trono ao centro do salão, estava Romeo.

De braços cruzados, tão estático quanto as estátuas dos antigos reis que repousavam inertes nos pedestais erguidos em formato de semi-círculo ao redor daquele grande cômodo, Romeo encarava aquela grande estrutura com os olhos perdidos. Sua mandíbula cerrada, perceptível mesmo através dos pelos escuros de sua barba, denunciavam o turbilhão de pensamentos que assolava a sua mente.

— Atrapalho? — falou Lisbela, atraindo a atenção para si. Sua voz ecoou no espaço vazio daquela sala e, mesmo sem encará-la diretamente, Romeo pôde ouvi-la se aproximar quando suas sandálias chocaram-se contra o chão.

— Nunca — murmurou, esboçando a sombra de um sorriso no rosto quando finalmente teve coragem para encará-la. Lisbela parecia mais radiante a cada dia. Romeo não era capaz de dizer se a razão para aquilo eram as suas bochechas, mais coradas e arredondadas, o cabelo que havia ganhado um tom mais escuro com os dias amenos do outono ou o bom humor que havia substituído seu atrevimento constante. O fato era que ela estava ali - e só por observá-la, Romeo sentiu uma estranha e crescente vontade de beijá-la.

A ascensão da Rainha | Livro I | Trilogia Declarações de Amor e GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora