Capítulo 1

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Havia algo no canto da folha, escrito à mão:

O dia chegará em que Atena não mais discursará

Thor não mais seu martelo empunhará

Loki e Saga não mais histórias irão contar

Exu a morte temerá

Ares por paz implorará

E o Supremo e todos ao seu lado a caça vão se tornar

Então foi mitologia que ferrou com a sua cabeça, mãe. Pensou Sáskia folheando pelos papéis proibidos. Para uma escritora de sucesso, ela era bem tímida com seu primeiro rascunho. Nunca mais deixou Sáskia chegar nem perto do seu escritório sagrado onde toda a magia acontecia, nem mesmo saber sobre o que era a história até o lançamento do livro. Tudo bem que a mesa da bienal estava a poucas horas de começar, mas Sáskia sabia que o quê sua mãe realmente queria esconder estava naquelas anotações. Tinha que estar. Tia Sabrina não mentiria pra ela.

O sino tocou avisando que a aula de Projeto de Vida estava para começar. Sáskia enfiou os papéis na mochila, pegou a maleta com o arco e flecha e foi apresentar o trabalho mais chato do semestre inteiro. Pelos corredores recebeu alguns olhares tortos, mas já estava acostumada, nada demais. Mais difícil era suportar os murmúrios de "menina monstro" e "aberração".

Longe eram os tempos em que recebia olhares curiosos e empolgados pelas suas "tatuagens" em ambos os braços. Depois do fundamental, o oito no braço direito e o oito deitado no braço esquerdo já não eram mais tão novidade. Mesmo assim, Sáskia continuou usando a farda de educação física, que não tinha mangas e permitia atrair a atenção de um ou outro calouro curioso, enquanto a sua reputação de menina monstro não os afastava, o que sempre acabava acontecendo.

A sala de aula com certeza não era lugar para um arco e flecha e tinha avisado isso para a professora Miranda, mas a mulher era mais teimosa que ela. Sáskia tirou a arma da maleta e a colocou sobre a mesa chamando a atenção dos poucos que conversavam ao fundo.

O procedimento era simples, nada que Sáskia não tivesse lidado antes no ensino médio. Apresentar um trabalho pra ninguém além da professora ouvir, receber palmas falsas e voltar para a sua cadeira em silêncio e com sorte não receber uns xingamentos no caminho. Coisa fácil.

Ela ergueu o arco o mostrando a todos. Era uma arma bonita, dada de presente no seu aniversário de quinze anos por sua mãe, mas a tinta vermelha já estava sumindo e a corda já estava soltando um pouco. Talvez tivesse exagerado nesse exato um ano em que esteve com ele, mas não podia se conter. A sensação de disparar uma flecha era diferente de qualquer outra, quase viciante.

Falou sobre o arco, como o conseguiu e porque ele era o "objeto mais importante" na sua vida. Nunca entendeu pra quê aquela matéria chata na escola. Não ligava pra nenhuma das histórias super emocionantes dos seus colegas e tinha a mais absoluta certeza que nenhum deles ligava para a da "menina monstro". Talvez o Matheus e a turminha dele prestassem atenção, assim teriam mais fontes para suas piadas de terceira categoria.

Era difícil achar olhos atentos na multidão, nem mesmo a professora Miranda com todo o seu papo de boa moralidade conseguia manter mais de dois segundos de contanto visual com ela. Sáskia já tinha se acostumado, olhos de águia eram de fato intimidadores e a cicatriz que atravessava o olho esquerdo de cima a baixo não ajudava. Ainda assim, a professora tinha o dever profissional de prestar atenção nos alunos, independente do quão monstruosos eles fossem.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora