Capítulo 60

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Gritos ecoavam lá em baixo conforme pessoas caiam do céu, se chocando contra casas como meteoros.  Sáskia voou, não tirando os olhos da fenda no céu brilhante em vermelho, cuspindo deuses como uma caixa de Pandora.

Desviou de um ou de outro, conforme voava em direção à colina, tentando conter Ícaro que já piava e balançava a cada trovão, a cada relâmpago.

Por um momento jurou ver um martelo voando pelo céu aqui, uma mulher corvo ali. Apertou as rédeas de Ícaro e acelerou, descendo pelo penhasco do Palácio do Sol, segurando Andis com todas as forças.

Quando chegaram ao nível das casas pôde ver a pequena fonte do lago do pátio dos calabouços, mas parecia estranho, parecia cada vez maior.

A pequena fonte se elevou a quase sua altura em uma onda, cobrindo quatro quarteirões. A parede de água desceu de uma só fez, inundando tudo, derrubando casas e postes.

Lá embaixo Sáskia pôde ver a Manjá correndo, tia Saga e Lyra ao seu lado. Atrás delas, algo vociferava: uma faísca.

Deslizou com Ícaro, caindo como um míssil na direção delas. Puxou as rédeas o fazendo abrir as asas e parar a queda, chegando na altura da rua.

Esticou a mão para Manjá e ela a tomou, subindo na harpia em movimento, se agarrando às suas costas.

Tia Saga seguiu, tomando à mão de Sáskia e pulando de uma só vez. A elfa se agarrou às penas de Ícaro, quase deslizando para fora.  Ainda assim arrumou forças para puxar Lyra e de alguma forma a encaixar entre as duas.

— RÁPIDO! — gritou Manjá.

Sáskia pôde ver de canto de olho a Faísca às suas costas, chegando cada vez mais perto. Lyra mal conseguia se segurar lá atrás e tia Saga já se agarrava a Manjá com todas as forças. Se acelerasse agora...

— Segura ele!

Sáskia passou as rédeas para Manjá e arriscou. Pouco a pouco foi passando por tia Saga, chegando ao extremo limite das costas de Ícaro e puxando Lyra para cima. Se segurou às penas, sentada, rezando para seu fiel amigo não acelerar.

Abriu os braços e gritou:

— Vem logo, seu parasita desgraçad-

Ele a tomou por completo, enchendo sua mente com cenas de um tsunami, de Manjá erguendo o anel.

Inspirou profundamente voltando ao mundo infernal e, se arrastando por entre as passageiras de primeira classe, voltou a tomar as rédeas da harpia gigante.

Os gritos ainda ecoavam mesmo na colina ao longe da cidade dos elfos. Sáskia deslizou com Ícaro no local de pouso, recebendo olhares preocupados dos irmãos de Andis.

Asta se precipitou:

— Ela tomou ele da gente! Não sabíamos o que...Andis?!

Sáskia não disse nada. Com a ajuda de Manjá, puxou Andis de cima de Ícaro, o depositando na grama verde. Ele sorriu, erguendo o fraco braço metálico para acariciar a asa de Ícaro, rindo entre o sangue que escorria da boca.

— O grandão aqui tem umas garras bem afiadas, né não? — Ele lançou um sorriso melancólico. — Obrigado por tirar a gente de lá, amigão. Obrigado.

Andis ergueu a mão para Aris, e ele a tomou entre um choro fraco que já teimava em sair.

— Sáskia...

Sáskia foi até Ícaro, rasgou um pedaço de pano vermelho e cobriu a espada de trovão.

Retornou até o príncipe, se ajoelhou e lhe entregou a Arma Divina.

— Aí, irmãozinho, falei que ia... — Mais sangue escapou. — Falei que ia trazer, não foi? Seu irmão não quebra uma promessa.

Lyra já levava as mãos ao abdômen dele, mas a fraca luz azul pouco tirava do sangue que ainda escorria.

A maga já continha um choro, acenando negativamente com a cabeça.

— Sabem, sempre achei que eu ia bater as botas num campo de batalha, cercado de pessoas que eu não...que eu não ligava. Sozinho. No meio de um monte de corpos.

Ele sorriu entre as lágrimas que escorriam.

— Eu não mereço morrer aqui. A Zillah merecia. O Killian merecia. Eu não...

Asta o abraçou.

— Eu não mereço, eu não mereço...

Sáskia o tomou pela mão, tentando conter um choro enquanto segurava Aris junto ao seu peito. Lyra e Manjá fizeram o mesmo, enquanto tia Saga o acariciou, tocando seus cabelos com um toque maternal que tantas vezes Sáskia sentiu.

— Você merece, meu filho.

Seu rosto se acendeu em um sorriso que Sáskia poucas vezes viu. Ele riu, fraco, mas genuíno e sussurrou entre a voz fanha, como se ainda tentando se agarrar às memórias.

— Não me mime demais, tia Sag-

Era difícil achar forças para continuar segurando Aris, mas Sáskia as encontrou nas palavras de tia Saga. Podia chorar depois.

Manjá fechou os olhos ainda abertos dele, e calmamente pediu para Asta se afastar, mas a Chama saiu primeiro.

Subiu no ar. Sáskia engoliu em seco. Não queria. Não. Não aguentaria passar por aquilo de no-

Ela passou por ela, floresta adentro. Um barulho veio de lá, não gritos ou berros. Passos.

Manjá se pôs a sua frente junto a Lyra, as estacas de gelo já conjuradas à sua frente. Um homem surgiu das sombras carregando uma garotinha mági nas costas.

— Quem é você?! — gritou Manjá.

Sáskia o fitou. A barba mal feita e os cabelos loiros eram familiares, e o rosto fino de nariz achatado lhe trazia memórias de um tempo passado.

— Eu sou o Evander, e essa aqui é a Gaela.

A menina espiou por cima do ombro dele.

— Gaela? — Lyra questionou.

Ele olhou para além delas, para o corpo de Andis ao chão.

— Sáskia...a Sáskia está aí?!

Sáskia sentiu um calafrio. Abriu espaço entre as duas, encarando o rapaz.

— Como sabe meu nome?

— Sáskia... — Seu rosto se acendeu em um sorriso entre lágrimas. — Foi você quem me mandou pra cá, filha.






Sáskia e os Caçadores de Deuses

Fim

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora