Capítulo 26

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Sáskia não era a maior fã do mar, muito menos quando envolvia atravessar ele num barco de procedência duvidosa. Tentou convencer Nesrin a ir numa harpia, até prometeu se comportar, mas o maldito recusou. "Harpias são apenas para cavaleiros", foi a única resposta que recebeu.

Pelo menos podia aproveitar os aposentos minimamente decentes dos hóspedes do palácio, antes de partir pra caça da serpente de fogo.  Já eram dois dias ali onde pôde tomar um banho, vestir as roupas de couro negro esquisitas deles, surpreendentemente confortáveis, e aproveitar a comida, essa sim comestível.

No entanto, por mais que ela e Prometeu estivessem se banqueteando naquele fim de tarde, sua mãe permanecia com a mesma cara de emburrada do dia da convocação. Mal sorriu para Sáskia quando ela lhe ofereceu uma maçã da cesta de frutas.

Prometeu, por outro lado, a interrogava como se fosse uma espiã dos melhores filmes do James Bond.

— Essa informação não bate — disse ele quando lhe falou da conversa com Atalanta. — Não existem novos caçadores.

— Diz isso pro corpo de Exu apodrecendo naquela floresta — disse Sáskia, sentando-se ao lado dele e mordendo a maçã. — E pra a Atalanta.

— Fale com ela de novo! Isso não pode ser verdade!

— Já esqueceu da parte do "Ela tá p da vida comigo"?!

— O Falco Não-Me-Toque, ele deve saber de algo. — Ele se apoiou na mesa, fitando a madeira. — Até onde sabemos, até as drogas das fronteiras dos reinos podem ter mudado nesse tempo em que...

Sáskia soltou um longo suspiro.

—Ainda somos prisioneiros se você não percebeu. Conseguir informação não tá sendo muito fácil!

Prometeu levou as mãos ao rosto inspirando e expirando profundamente.

— Qualquer coisa que nos diga o que diabos aconteceu nesses últimos sabe-se lá quantos anos já serve!

A porta do quarto se abriu de súbito fazendo Sáskia quase se engasgar com o pedaço de maçã que escorria por sua garganta. Uma sorridente Saga saltitou até a mesa, balanço um papel em mãos para lá e para cá.

— Você conseguiu?! — Sua mãe se ergueu de súbito, tentando tomar o papel das mãos da elfa.

— Calma aí! Olha o suspense! Que escritora meia boca, você.

— Deixe de brincadeiras, Sabrina!

Tia Saga soltou uma gargalhada das boas quando deu um bom olé a cada tentativa falha de Helena de tentar pegar o papel de suas mãos.

— Rufem os tambores! — Ordenou a elfa.

Helena seguiu a deixa de Sáskia ignorando a face totalmente fria de Prometeu. No ápice do rufar, Saga esmagou o papel contra a mesa em um movimento só fazendo a cesta de frutas cambalear como uma bailarina bêbada. Ela despencou com as frutas no chão para a tristeza de um estômago vazio como o de Sáskia.

A garota já estava ao chão catando as maçãs e bananas que insistiam em rolar para longe, reclamando com a tia. Se ergueu ao coletar a última fruta perdida, berrando para a mulher de cabelos vermelhos.

— Sabe o tanto que eu tive que implorar pro Nesrin trazer uma cesta dessas?!

Ela mal olhou na sua direção. Nenhum deles o fez. Sáskia se aproximou da mesa, os olhos grudados no mapa assim como eles.

O nome "Olímpia" marcado no centro do continente a fez parar por um segundo, segurando o ar.

— Certeza que é só uma coincidência! — desprezou Saga, dando as costas a mesa e pegando uma banana da cesta nas mãos de Sáskia. — Mulher com esse nome é o que não falta por aí!

Prometeu apontou para a ilha maior ao oeste, cercada por mais duas outras de nomes "Éden" e "Poleiro".

— Artêmia. — disse, a voz pesada. — Colocaram o nome de Ártemis... — Ele Suspirou profundamente. — O falso nome de Atalanta na ilha. Isso só pode dizer...

— Atalanta mencionou "os oito". — Sua mãe se voltou para ela, mais séria do que se lembrava que ela podia ser. — Não foi, filha?

Sáskia se encolheu.

— Foi.

Prometeu soltou uma risada contida. Deu a volta na mesa, passando por Sáskia até chegar numa Helena estática. Depositou a pesada mão sobre o seu ombro, quase que a despertando de se seja lá qual tipo de transe estivesse.

— Nossa raça sempre foi a mais gananciosa mesmo, menina. Ingênuo pensar que iam se contentar com só um Caçador para louvar.

Os pesados cabelos negros dela cobriam o rosto, mas mesmo assim Sáskia se aproximou. Fez menção de a abraçar, mas hesitou. Deveria? Um turbilhão de pensamentos tomava conta de sua mente quando uma única frase de Helena a despertou.

— Sobre o rumor, Sabrina — começou ela, erguendo o rosto do mapa para a elfa.

Tia Saga titubeou um tanto nas palavras, quase explicando os detalhes de como passou a perna num cozinheiro pra ganhar aquele mapa mal desenhado, mas enfim chegou no tópico que sua mãe insistia.

— Parece que é verdade — disse, mais para si mesma que para eles. — Os humanos e os elfos estão guerreando e...Caçadores estão envolvidos.

Quase pôde sentir a dor dos punhos de sua mãe se cerrando em cima da mesa. Um breve silêncio caiu na última palavra de Saga, antes do baque rachar a madeira e derrubar os poucos copos que ainda restavam de pé.

Sáskia sentiu o coração pular para fora da boca no primeiro grito de Helena. Saga agarrou ambos os braços da sobrinha levemente, a impedindo de tentar conter a fúria da mãe que chutava, socava, atirando cadeiras para lá e para cá. Saga a afastava dali, a puxando para o corredor, mas Sáskia não aceitava. Aquela não era a sua mãe. Não era a mulher que conhecia.

— Mãe!

Talvez tivesse sido seu grito, ou a tentativa de Helena de socar Prometeu, mas algo a despertou do transe frio em que estava. O homem agarrou ambos os braços de sua mãe que já estava no princípio de um soluço incontrolável.

— Foi tudo por nada, Prometeu! Foi tudo por nada!

A última imagem que Sáskia pôde ver antes da tia a puxar para os corredores foi a de Helena desabando aos prantos no peito de Prometeu que a abraçou, envolvendo a mulher num abraço que se não fosse pela face boquiaberta dele, poderia muito bem ser aconchegante.

— Está tudo bem, menina. Está tudo bem.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora