Capítulo 8

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— Como vamos achar ela aqui? — começou a mulher num tom ofegante, enquanto ainda segurava o bebê. — Ela pode estar em qualquer lugar!

— A velhota não é difícil de se achar. — disse o homem se sentando em uma pedra próxima, sua voz lhe era familiar. — Aquela idiota chama mais atenção que um anão bêbado.

Aquela voz de fumante terminal, aquela barba suja, pele morena e olhos fundos. Saga não tinha dúvidas.

— E você não mudou nada, Prometeu. — Ela se levantou e caminhou na direção deles. — Ainda é o mesmo menino. Sempre desrespeitando os mais velhos.

A mulher se virou para Sáskia, a marca do oito em pé no braço direito mostrando sua mortalidade.

Para a sua surpresa, a mortal não demonstrou nenhuma hesitação ao vê-la como outros fariam. O longo vestido de seda azul Midgardiana dela e seus cabelos negros igualmente longos já denunciavam sua etnia: uma humana. Humanos não rezavam para Deuses elfos e alguns até os temiam, mas esta humana estendeu a mão para ela quase que a tratando como uma pessoa normal.

Algo nela assustava Saga. Sua mera presença ali e sua casualidade ao falar com uma Deusa só poderia significar uma coisa.

— Saga, não é? Me chamo Olímpia, prazer em conhecê-la.

— Sim, querida, bom te conhecer também. — Saga passou direto por ela, ignorando a mão estendida, e ficou frente a frente com Prometeu. — Sei que o nosso Prometeuzinho aqui tem uma boa explicação pra tudo isso, não tem?

Ele soltou uma risada abafada.

— Teve muita diversão nos últimos milênios desse mundo, presumo. Ainda não enlouqueceu afinal de contas.

— Meus mortais podem ser muito interessantes quando querem, muito obrigada. Mas se me lembro bem... — Se agachou ficando na mesma altura dos olhos dele. — A última vez que te vi estava amarrado no topo de uma montanha grande pra burro sendo devorado por uma harpia gigante e não...

Ele ergueu o sobretudo revelando seu braço esquerdo e a marca do oito deitado onde ela deveria estar. Não estava lá, não mais.

— O quê você fez?

— Aquilo que devia ter feito a muito tempo.

Saga sentiu algo contra o seu ombro, o cabo de uma adaga.

— Conseguimos fazer isso. — disse Olímpia, a criança no outro braço no princípio de um choro. — Armas de Eterium.

— Armas antideuses. — Prometeu completou entre um sorriso orgulhoso.

O cabo da arma era comum como qualquer outro, mas sua lâmina era algo que Saga jamais tinha visto. Era de um branco tão fosco quanto a neve, brilhante, quase hipnotizante.

— Isso é...

— Eterium. — Completou Prometeu tomando a adaga de suas mãos e segurando o seu braço.

O fio da lâmina deslizou pelo antebraço de Saga e ela sentiu algo, uma sensação estranha que não tinha memórias de ter sentido antes. Dor. Um fio de sangue deslizou pela sua pele e caiu no chão da floresta, pingando. Era o seu sangue. Era o seu próprio sangue.

O líquido vermelho permaneceu escorrendo lentamente, gota atrás de gota, lançando calafrios por todo seu corpo.

Ela deu um gole em seco antes de perguntar:

— Quantos vocês mataram?

— Mais do que pudemos contar. — disse Olímpia.

— Zeus? Thor? Miguel?

— Mortos, todos eles. — prosseguiu a humana. — O Eterium permitiu contornar a Chama e a Lei das Três Faiscas. A arma segurava a maior parte da Chama, enquanto os corpos dos Caçadores a menor. Funcionou durante o começo, mas as armas não aguentaram por muito tempo...

Saga não podia acreditar no que estava ouvindo. Antes, um mundo regido pelo poder dos imortais que não podiam ser desafiados, um mundo do qual Saga fugiu. Mas agora o louco do Prometeu conseguiu a revolução que tanto almejou e ainda pôs o poder de Deuses nas mãos de mortais.

A Deusa das histórias não queria conversa com os problemas de seu antigo mundo, dos Deuses e daquela sociedade podre que deixou para trás. Não. Os mortais do seu novo mundo podiam ser horríveis, mas ainda eram seus. Não seus como uma tirana reinando suprema, mas eram seu povo, criados pelas suas histórias. Aquela era a sua casa, e ninguém podia a convencer do contrário.

— Então, se todos estão mortos por que não me deixam em paz e voltam pro seu mundinho de rosas? — Ela puxou o celular do bolso. — Ah, olha só a hora! Não posso me atrasar pra aula, meus alunos merecem a professora deles.

Tentou se levantar, mas a voz de Prometeu soou às suas costas.

— Não conseguimos, Velhota. No final, falhamos. Ouça...

Olímpia acalmou a criança no colo, cochichando algo. Se voltou para saga e cabisbaixa, começou:

— Estávamos lutando em Alfheim, todos os sete caçadores, todos os deuses num lugar só. Mas então, algo se abriu no céu, uma fenda. Ela sugou tudo. Todos. No fim, não sobrou nada além das sete Armas Divinas.

— Armas de Eterium que absorveram Chama o suficiente dos Deuses mortos. — continuou Prometeu se levantando da pedra e estalando a língua. — O povo louvava eles, velhota. Achavam que as armas eram sagradas, que podiam dar poder o suficiente. Sabe como mortais podem ser gananciosos, mesmo com coisas que sequer podem tocar.

— Eles estão se matando. Guerreando pelas armas. Nem parece que há dois anos atrás eram... — Olímpia parou por um instante. — Uma aliança de verdade.

— Ó, não, mortais se matando! O que iremos fazer? Que terrível! — debochou. — Não é como se isso tivesse acontecido milhares de vezes antes, temos que fazer algo rápido!

— Saga, isso é sério! — Prometeu a segurou pelo braço, apertando.— Você tem que parar e ouvir.

Saga empurrou o braço dele para longe.

— Olha só pra você: Sem uma faísca sequer, sem poder, sem imortalidade. Que visão. Valeu a pena? Não levou a nada.

— Levou a algo, sim. — Olímpia a interrompeu. — Nós ainda estamos aqui, com você, com alguém com Chama que pode pegar as Armas Divinas. Você pode proteger os mortais deles mesmo, Saga. Você pode ser a salvad-

— Eu só sou uma professora com uma porrada de provas pra corrigir, menina. Não sou uma salvadora de mundos, sinto muito.

Ela deu meia volta dando as costas para ambos. Não queria mais conversa com aquele mundo que abandonou, com aquele fardo “divino” nas costas. Seu mundo era mais do que o suficiente para ela, mesmo que significasse sofrer por toda a eternidade vendo seus amigos e companheiros morrerem, ainda valia a pena. Naquele mundo não era uma deusa, era apenas uma contadora de histórias com orelhas pontudas e isso era o bastante.

O choro da criança se intensificou e Olímpia soltou um grito. Saga se voltou para os dois. Prometeu carregava o bebê em mãos.

— Não! Ela não! Você jurou!

— Calada, menina! É necessário!

Olímpia se colocou entre Saga e ele, esbravejando contra o homem.

— Eu não sou uma menina, Prometeu. E essa criança não é uma arma pra ser usada. Ela é...

— Tem razão. — Ele completou passando por ela e indo até Saga. — Ela é um último recurso.

O que o Deus tinha em mãos podia muito bem ser uma aberração da natureza. Tinha olhos de Harpia como os Animálias de Poleiro, mas os cabelos eram brancos como os Mágis e a magia podre deles. Não só isso, ao chorar a garota mostrava dois dentes de leite afiados como os de um Oceaníde e suas orelhas eram pontudas como as de Saga. Nas costas, um pequeno par de asas Feéricas ainda teimava em tentar voar.

Uma sem raça. Mas em sua eternidade de vida Saga jamais viu uma sem raça com tantas misturas de sangue antes. Definitivamente, algo que só a pior parte da natureza poderia criar.

— Um bebê. Um bebê é o seu último recurso. Os reis vão mesmo tremer de medo.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora