A escuridão da maior floresta do planeta trazia consigo barulhos estranhos, sombras que passavam, criando em Sáskia a noção de que podiam muito bem já estar em outro mundo. Caminharam durante mais tempo do que achava possível, seguindo tia Saga pelas árvores, torcendo a cada piscada das lanternas dos telefones para a bateria durar mais um pouco.
— Tem certeza que esse é o caminho certo, velhota? — perguntou Prometeu lá do fim da fila.
Exu estalou a língua. Lançou um olhar afiado por cima do ombro para o homem.
— Ela precisa descansar.
Sáskia desviou os olhos para a mulher ao lado dele. Amaterasu suava, gemendo de dor a cada passo, mas ainda assim sem deixar de guiar Esther pela selva. A menina se aproximou dela deixando o espaço no meio da fila com a mãe.
Sáskia puxou as paçocas do bolso da calça. O vício de Tia Saga em doces pelo menos serviu de algo.
Ofereceu duas a ambos, esticando a mão.
A elfa apenas virou o rosto.
— Se não comer, pode morrer de cansaço.
— Não preciso da sua comida.
Um ronco seco ecoou da barriga do rapaz ao lado dela. Sáskia se aproximou dele, tomando suas mãos e depositando as quatro paçocas já abertas. Ele deu a primeira mordida com cautela, mas a seguinte foi de uma vez só. Em instantes já tinha devorado todas e abria um sorriso estendo a mão por mais.
— Acabou, não tem.
Esther disse algo para a mãe que respondeu com um resmungo entre a respiração ofegante.
— Sabrina — chamou Helena. — Saga...tem certeza que não estamos perto?
— Eu atravessei essa coisa primeiro, Helena. Confia em mim!
— Vamos apelar para alguém com uma memória um pouco mais fresca, que tal? — Prometeu apontou a arma para Exu. — Onde está árvore?
— Minha esposa precisa do devido descanso, Prometeu. Lhe direi tudo assim que ela o tiver.
Amaterasu riu entre a tosse de sangue.
— Como se fôssemos decorar um caminho por uma maldita selva em uma única ida.
— Desculpe, como chegaram aqui exatamente? Ah, sim atravessando Éden!
— Aonde fomos não precisamos cruzar a selva maldita de Éden. Pra que perder tempo atrás de uma maldita árvore de esconde-esconde, não é-
Seu corpo balançou e o seus olhos se fecharam deixando todo seu peso cair em cima de Sáskia. Ela a segurou, empurrando, até Esther a ajudar a deitar a elfa no chão da floresta.
— Ela necessita de um curandeiro!
— E vamos conseguir um, assim que nos mostrar o caminho pra maldita árvore!
— Encontrei!
Tia Saga acenou de cima de uma grande raiz.
— A tome pelo seu lado, jovem.
Sáskia fez como lhe foi pedido, puxando Amaterasu do chão e passando o braço dela sobre o seu pescoço. Exu encarou sua mãe por um instante, e desviou o olhar para Esther já parado ao lado deles.
— Por favor.
Helena ponderou por um momento, mas enfim tomou o jovem elfo pelo braço o guiando raiz acima. Sáskia passou com os dois Deuses pela raiz, tomando cuidado onde pisava, sentindo a respiração quente de Amaterasu contra o seu rosto. Ela murmurou algo no seu ouvido, quase tão baixinho quanto podia ouvir, mas tinha certeza do que era:
— Eu ainda vou te matar — disse. — E sua mãe, e o maldito Promet-
A deixou aos braços de Exu, apertando os lábios. Ignorou os murmúrios de delírio da ela e voltou os olhos para a duas grandes árvores à sua frente em formato de arco. Eram exatamente como no livro, talvez até maiores.
— Agora liga — ordenou Prometeu.
Tia Saga riu entre o cabelo que grudava ao rosto suado.
— Não é uma lâmpada.
Ele grunhiu baixinho.
— Velhota, disse que foi um presentinho do nosso querido Supremo, não é? Toda aquela baboseira de ser a favorita e ainda não sabe usar o brinquedinho. Não vem com essa pra cima de mim.
— Em primeiro lugar: Pode debochar Dele o quanto quiser. Sua falta de crença, não vai ajudar a abrir a Ygdrassil. Em segundo... — Ela encostou no galho. — Árvores entre mundos não vêm exatamente com um manual de instruções. Acho que se esqueceu que essa coisa foi feita pra só ser usada só UMA VEZ!
Prometeu estalou a língua e xingou alto. Caminhou até Sáskia, passando por ela e indo até Exu que já acariciava a cabeça da esposa sobre o seu colo.
— Desembucha.
— Desembucha?! Que ato vil! Até mesmo de você Prometeu. Não está vendo que ela precisa de ajuda?
— Éden é onde a árvore se esconde, e ainda assim, sua namoradinha psicótica aqui disse que não atravessaram por lá. Então como e onde conseguiram?!
Um baque e a luz brilhou. Sáskia fitou o arco das duas árvores, boquiaberta. A luz vermelha tomava conta de todos os arredores iluminando o rosto de uma gloriosa tia Saga que já dava socos no ar.
— Ha! Eu sabia!
Helena desceu da grande raiz junto a Esther e se aproximou de Sáskia. Segurou levemente o seu braço, olhando para ela e de volta para a árvore entre mundos.
— É quente. — Observou Sáskia. — Mas, diferente...
— Muito bem, todos em fila!
Prometeu apontou a arma para Exu e acenou com a cabeça para Sáskia. Ela foi até a elfa ao chão a erguendo novamente e encarando a luz vermelha, perguntou:
— Onde isso vai dar?
— Com alguma quantidade de sorte, perto de algum assentamento Caipora. O máximo de civilização que se pode encontrar em Éden. — Explicou Exu, entre grunhidos de esforço.
Prometeu apontou a arma para ambos.
— Andando.
Helena se aproximou de Sáskia ficando lado a lado com ela. Ambas de frente para a árvore entre mundos.
— Vai ficar tudo bem, filha. Só mantenha... — Ela hesitou por um momento. — Segure ela bem. A chegada pode ser turbulenta e as feridas podem se abrir.
Saga e Prometeu se juntaram a eles, lado a lado. Sáskia suspirou fundo, lentamente tentando conter o coração que já palpitava rápido. O suor já escorria da sua testa quando perguntou:
— E ele?
Helena apertou Esther perto ao seu corpo, segurando-o. Ele disse algo, incompreensível, que ela respondeu num tom melancólico. O elfo de cabeça raspada apertou mais o braço dela e abaixou a cabeça em um princípio de choro.
— O quê disse pra ele?
Ela desviou o olhar para Amaterasu.
— A verdade.
— Chega de papinho emocionante. — disse Prometeu. — Vamos, atravessem.
— E vai ficar por aqui, por acaso? — Debochou Tia Saga.
— Eu tô bem atrás de vocês, velhota. Não se preocupe.
Sáskia apertou bem as costas de Amaterasu a deixando firme sobre seu agarre. Sua mãe a lançou o mesmo olhar reconfortante que tanto ansiava e acenou para o portal.
— Vamos.
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Sáskia e os Caçadores de Deuses
FantasiSáskia seria uma garota de dezesseis anos comum se não fosse pelos seus olhos de águia, dentes de tubarão e orelhas pontudas. Helena, sua mãe e uma fanática por mitologia, dizia usar a aparência da filha como inspiração para as raças do seu mais nov...