Capítulo 3

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A rua do ponto de ônibus nos fundos da escola podia ser lotada ao meio-dia, mas a noite estava mais deserta do que sala de aula em dia de educação física. A única companhia de Sáskia era um casal de ruivos que mal parecia ter pegado um ônibus na vida.

— Tem certeza que esse é o caminho certo? — perguntou a asiática, mascando algo. — Já fazem horas, Exu.

O moreno alto de tranças vermelhas mostrou o telefone aberto no aplicativo de GPS logo após pegar outro chiclete do bolso.

—O objeto mágico diz que sim.

— O objeto mágico tá quebrado.

Sáskia não pôde conter um risinho atraindo o olhar da mulher.

A mão dela se enrolou no seu braço que segurava a maleta. Tatuagens tribais cobriam a pele em contraste com a jaqueta negra que ela usava. Seus cabelos eram da mesma cor de fogo que a mecha de tia Sabrina e debaixo do boné que usava, Sáskia pôde muito bem ver aquelas orelhas pontudas iguais as suas.

— Você... — disse, a voz rouca como se tivesse visto um fantasma.

— O quê pensa que está fazendo?! — perguntou o homem, se virando para as duas.

Ela apontou para Sáskia olhando no fundo dos seus olhos.

— Não tá vendo? Ela. É ela.

O moreno se voltou, a encarando por um segundo, boquiaberto. Olhou para o chão, de volta para ela e estendeu a mão.

— Você deve ser a filha de Helena. Somo-

A mulher a tomou pelo braço num arrastão mais forte do que achava possível. A puxou, atravessando a rua pouco se importando com o Uno desgovernado que quase as acertou. Sáskia tentou se soltar, mas seu braço parecia preso por uma prensa de ferro. Quando o agarre ficou mais frouxo, já estava no fundo de um beco, a única saída bloqueada pela mulher e o homem à sua frente.

— Não é assim que fazemos as coisas, Amaterasu. Temos um acordo.

— Olímpia não mencionou que a filha dela era essa maldita!

— Aí! Eu ainda tô aqui — disse, dando um longo suspiro. — Olha, não sei que tipo de fãs malucos vocês são pra ir atrás da filha da escritora assim, mas melhorem, tá?

A ruiva a fitou, cerrando o cenho. Sáskia desviou o olhar.

— Ela se atrasou e não pôde ir hoje pra Bienal. — disse, caminhando na direção da saída. — Outra data pra essa semana vai sair e aí vocês vão poder pegar seus autó-

Um golpe no seu estômago a mandou voando contra o fundo do beco. O choque veio, e a dor dilacerante também. Queria segurar as costelas, mas as pernas doíam tanto que mal conseguia se colocar de pé e o sangue já ameaça sair pela boca.

A mulher já levantava o punho novamente.

— Não. — A voz pesada dele soou. — Mortais, não.

— Ela não é mortal — disse, apontando para o braço esquerdo da menina ao chão. — Arrastamos nosso filho pra isso, Exu. Você não pode recuar agora.

— Aquela coisa não é meu filho.

— E ela é? Porque parece que você afroux-

Em um arremesso, o corpo da mulher foi jogado contra a parede fazendo tijolos desabarem. Sáskia tentou voltar os olhos para ela, mas já era difícil mantê-los abertos e cada respirada se tornava uma luta.

— Não tome minha piedade por fraqueza, Amaterasu.

Ele pegou o celular novamente de uma forma tão desajeitada quanto uma criança, discando algo.

— Um curandeiro, por favor. Ah, o lugar? Localize o... — Se voltou para a mulher nos escombros. - O nome dessa coisa é telefone, não é?

— Quem são vocês? — murmurou Sáskia tentando se levantar, se agarrando à parede.

— Me desculpe pela minha esposa, menina. Ela pode ser...temperamental.

A ruiva se levantou dos escombros sacudindo a poeira das roupas. No seu corpo, mal era possível ver um arranhão.

— O nome do treco é telefone, seu velhote.

Resmungou algo numa língua estranha para ele e deu as costas saindo do beco. Na calçada, uma raposa vermelha de olhos cortados se acariciou entre as suas pernas e a seguiu para fora.

— Ser gentil pra variar é bom, não é?! — disse ele, sorrindo.

Desligou o celular após uma conversa nada convencional e se virou para o fundo do beco. Sáskia tentou se levantar, mas sangue já escapava pela boca e as pernas mal se sustentavam.

— O curandeiro já está vindo, menina. Então, por favor... — começou, se abaixando na altura dos seus olhos. — Faça isso ser só um mal entendido para sua mãe, sim? Não queremos que o nosso pequeno acordo vá por água a baixo.

— Vai pro infer-

As pernas desabaram e o rosto veio ao chão. Tentou levantar o corpo, fazer o maldito se mexer, mas a dor...

A última coisa que viu foi o semblante casual dele ao acenar da calçada, antes do mundo inteiro se tornar escuridão.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora