Capítulo 55

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Sáskia tomou o arco em mãos, fitando o seu tom pálido, perguntando a ai mesma se o anel de Manjá não estaria igual. O colocou nas costas, junto a aljava e mirou a garota no espelho. Estava limpa, de cabelos molhados e armadura de couro. Só esperava que pronta para começar um plano que não tinha certeza se daria certo.

Caminhou até a porta do quarto, tomando coragem o suficiente para abri-la e descer aquelas escadas. Desembrulhou a goma de linguagem infinita e a levou a boca, dando um longo suspiro.

Os raio de sol da manhã iluminavam um vazio corredor, quase fantasmagórico. Um par de pássaros piava na varanda, atraindo o seu olhar, até voarem para longe quando os passos apressados se aproximaram.

Asta vinha às pressas, quando a viu, correu. Atrás dela a oceaníde de face retorcida seguia junto.

— Sáskia! Sáskia! — gritou Asta até chegar até ela.

Queria perguntar, mas as palavras escaparam de sua boca.

— É o Killian! — admitiu Manjá levando as mãos a cabeça e contendo um choro. — O fadinha saiu sozinho!

— Sozinho? Pra onde?

Manjá se apoiou nas parede do corredor, abaixando a cabeça.

— Eu acho que ele foi atrás da tia Saga.

— Já olharam em todo lugar? No quarto dele, ao redor da pousada?

— Já procuramos em todo lugar, guardiã. — disse Asta. — Kaerhoen disse que o viu sair com o feitiço de Elfo mais cedo. Mas ele não disse pra onde ia nem o que...

Sáskia respirou fundo e seus olhos se encontraram com o da menina mági ao fundo do corredor.

Manjá se virou para ela, a fitando com aqueles olhos que Sáskia conhecia muito bem. Caminhou a passos largos na direção dela, apontando o dedo com o anel que já brilhava.

— Cansou de se esconder, não foi?!

Sáskia a tomou pelo braço antes que pudesse fazer algo do qual se arrependesse. Segurou, tentando conter ela, mas Manjá teimava em tentar se soltar.

— O quê importa é achar ele. Se acalma!

— Ela sabia o que tava fazendo com aquele feitiço! Sabia que ele ia tentar salvar ela!

— Você também sabia. — Gaela disse. — Não tem menos culpa disso do que eu.

Sáskia se pôs entre Manjá e a garota, olhando nos fundos daqueles olhos aquáticos.

— Iemanjá, já chega. — Cerrou os dedos, apertando o pulso dela. — Vamos atrás dele.

Ela abaixou o braço lentamente, ainda fitando Gaela como uma presa. Acariciou o pulso vermelho, e desviou o olhar em uma bufada.

— Certo. — Sáskia se inclinou pra frente, para Gaela. — Você conhece a cidade. Sabe onde fica a masmorra, não sabe?

— Ora, é claro que essa pestinha sabe!

Manjá a tomou pelo braço em um agarre, a puxando escadas abaixo. Gaela gritava, berrando, a fumaça saindo do seu braço e cobrindo seu rosto. Manjá só veio a soltar quando chegaram na sala, olhando pasma para a própria mão e de volta para a menina.

Sáskia e Asta seguiram, tendo a visão de Gaela cobrindo a queimadura em formato de mão no antebraço, descendo as manga vermelhas do vestido.

— O quê diabos é você? — Manjá finalmente perguntou.

Gaela se calou, ainda acariciando a marca da queimadura por entre as mangas, dando as costas a ela.

Kaerhoen se apressou para além do balcão, correndo com as pequenas pernas até ela, tocando seu antebraço por cima das mangas vermelhas.

— Por favor, eu sei onde ficam os calabouços. Venham comigo e eu irei...

— Não, Kaer! — Gaela protestou entre os olhos molhados. — Não. Eu consigo levar eles. Fique aqui, guardas pode vir xeretar.

— Gaela, você é só uma criança! Não devia!

A mági se afastou dele, dando as costas para o salão e caminhando para as portas duplas.

Manjá a seguiu de imediato, lançando um olhar determinado para Sáskia e os outros.

— O quê estão esperando?

— Não! — disse Gaela. — Não podemos chamar atenção.

Aris protestou em um grito contido por Andis ao segurá-lo. Lyra se encolheu na poltrona, abraçada ao cajado, murmurando para ele como se fosse uma maldita pessoa.

Manjá tomou Sáskia e Asta pela mão, as arrastando hotel a fora, seguindo a Mági a passos rápidos. Kaerhoen ainda tentou uma menção de reclamação, mas foi contido pelo príncipe dos humanos.

Mal era possível ver a cabeleira branca da menina entre a multidão da cidade baixa, a cada esquina que virava rápido, a cada calçada que corria. Sáskia e as outras a seguiam de perto, deslizando e esbarrando em um ou outro cidadão mais Mal humorado do que o outro.

Gaela parou em frente a uma loja de armas, virando a cabecinha para o pátio à frente delas. Um som agudo se estendia de lá até a rua, se aproximando, cada vez mais perto.

— Tem certeza que esse é o caminho? — perguntou Manjá.

— Sim, sim! Eu tenho certeza, mas...

Gritos. Altos, rasgados, desesperados. Em um instante a multidão estava ali, se movendo pelo pátio, no outro corriam para a rua em que estavam como uma manada de carne descontrolada.

Sáskia tomou Gaela pelas axilas a erguendo em um só movimento. Se virou para a porta da loja, seu olhar se encontrando com o velho humano, mas apenas por um instante. Ele fechou a porta em um baque e tudo que puderam fazer foi se encostar à parede e rezar.

Ombros e pernas batiam contra o seu corpo, cada vez mais fortes, rápidos. Os gritos eram tudo que podia ouvir, junto com o som de centenas de pés pisoteando cada pedaço da rua. Olhou para trás de canto de olho, rezando para ainda encontrar Manjá e Asta ao seu lado. Elas se seguravam a parede, de costas para a multidão, gritando a cada esbarrão mais forte.

Quase tão rápido como começou, o pisotear acabou deixando apenas uma nuvem de poeira como seu resquício. Sáskia tossiu enquanto colocava Gaela de volta ao chão, a protegendo atrás de si. Puxou a flecha da aljava e apontou para o pátio.

Os gritos continuaram, mais espaçados, quase implorando.

Algo se contorcia no ar para além da poeira, como se estivesse em dor, causando um som estridente como um animal à beira da morte. Um pobre animália corria para longe, mas ele o pegou, entrando nele, o atirando no chão aos gritos. Em um instante eles cessaram, como se o corpo inerte do homem mal tivesse vida um instante atrás.

A Chama se elevou do corpo dele, alta no ar, vociferando para a guarda que piedosamente baixava a espada.

Os olhos de Sáskia correram pelo pátio, para os corpos espalhados pelo chão, formando quase uma fila perfeita até a entrada do que Gaela apontou sendo o calabouço.

Perdeu o chão por um instante, cambaleando, apena observando aquela maldita Chama se apoderar do corpo da mulher e a descartar como um hospedeiro quebrado.

— Killian...

O monstro de fogo vociferou na sua direção, rápido como uma flecha, certeiro. Entrou pelo seu braço, se acalmando, fazendo dali a sua casa. Sáskia queria arrancar a própria pele, vomitar aquele calor maldito de dentro de si, negar a visão que já se apoderava das suas memórias.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora