Capítulo 45

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— Água...

Ela tentou tomar o copo de vinho ao lado do deus, mas em vão. Continuou apalpando a mesa com as fracas mãos, passando pelos queijinhos à frente de Magnus, recebendo um olhar torto do rei.

— Pelo amor de Ísis! — exclamou Lyra se levantando e indo até ela. — O quê pensam que estão fazendo?!

Sáskia observou a maga oferecer o copo cheio à elfa que tomou, deixando derramar um pouco pelo pescoço sujo. Prometeu permaneceu parado diante dela, a fitando como se não fosse nada mais que um animal.

— É assim que vocês fazem as coisas?!

— Solandis, é isso que você chama de “conversar”? — perguntou Asta, se levantando.

Solandis desviou os olhos para o pai.

— Ela não abria o bico.

Eram fracas, mas as memórias de Atalanta ainda vinham de vez em quando trazendo consigo as imagens de tortura de Prometeu, do seu “estilo de interrogatório”. Talvez fossem tão poucas graças ao estômago fraco de Atalanta. Sáskia não podia culpá-la.

Prometeu tomou a elfa pelas algemas impedindo Lyra que já a levava para se sentar na sua cadeira. A maga se virou para ele o encarando, bufando.

— Não é porque é um Deus que pode tudo.

— Lyra, deixe-a.

— Pai, esse homem...

— Deixe a elfa, Lyra!

O grito dele fez suas mãos se afrouxarem. Prometeu puxou a mulher como se fosse uma boneca de pano e voltou a fazer a pergunta:

— Agora que já molhou a garganta, responda: O que Esther quer com as Armas Div-

— Meu irmão. Prometa na frente deles que meu irmão...

Prometeu estalou a língua.

— Sim, seu irmão. Ele vai ser libertado, tem minha palavra.

Ela engoliu em seco e suspirou profundamente tentando conter os lábios trêmulos.

— Ele vai abrir.

— Abrir o quê? — Viktor se precipitou.

— Eu tentei o aconselhar a não fazer isso, mas as coisas que aquela mulher colocou na cabeça dele, o que fez com ele. Esther não sabe o que está fazendo. O perdoem, por favor.

Sáskia levou as mãos à cabeça. As palavras de Prometeu ecoavam ao seu redor, vivas, aterrorizantes.

— Diga — ordenou.

— Com as Armas Divinas, Esther vai abrir a fenda e trazer os deuses de volta.

Um silêncio fúnebre caiu na sala.

— Ela não pode — riu Magnus. — Não tem como! Meus magos saberiam, acredite.

A elfa se virou para ele, cerrando os dentes.

— Você nunca tocou a Chama. Não sabe do que ela é verdadeiramente capaz nas mãos de quem sabe o que pode fazer com ela.

— Um elfo? Um elfo sabe o que fazer com ela?!

— Ele não precisa de um elfo qualquer. Esther tem a deusa que forjou o maldito cajado da sua filha.

Pela primeira vez em tanto tempo, Sáskia teve a visão de um Prometeu pálido. Ele se abaixou, e olhando diretamente nos olhos dela, perguntou:

— Quem?

A elfa tossiu, cuspindo sangue ao chão.

— A fenda não cuspiu apenas Exu e Amaterasu dez anos atrás. Harmonia veio também.

— Pelo Supremo...

Prometeu deu as costas a ela, caminhando para trás, levando as mãos à cabeça.

— Ora, quem? — começou a Feérica já mastigando algo. — Harmonia?

— Se Harmonia está envolvida nisso, então o perigo é real. — Prometeu proferiu, estalando a língua. — Ela não pode tocar naquelas armas.

— Precisamos marchar para Vale — sugeriu Jena. — Nesse instante! Todos juntos antes que...

— Esther dizimaria nossas tropas antes que pudéssemos chegar a Storia — apontou Andis. — E se ela já estiver perto dessa deusa...precisamos ser rápidos.

Sáskia se levantou, limpando a garganta como já tinha visto a mãe fazer tantas vezes em palestras. Atraiu os olhares atentos da mesa, mas não era igual um trabalho escolar. Tinha que achar as palavras certas para o que estava prestes a sugerir.

— Nós temos uma harpia gigante!

— Uou, sério?! — debochou Manjá.

— Ela pode percorrer algumas dezenas de quilômetros por dia, talvez mais rápido do que uma carruagem ou um cavalo — disse, engolindo em seco. — Nas costas cabem até três pessoas, mas ela pode carregar algo com as garras que possa caber ainda mais!

— Não estamos afim de uma viagem de férias, garota. — riu Magnus.

— Silêncio! — Viktor proferiu atraindo um olhar espantado do Mági. — Prossiga, Guardiã.

Um olhar ainda mais espantoso veio do outro lado da mesa, dos três irmãos ao lado de Sáskia.

— Pai... — murmurou Andis.

— Eu tive uma conversa com os filhos de vocês, a sós. Eles tem a noção da responsabilidade que carregam!

— De jeito nenhum! — exclamou a Dina. — Meu menino nunca saiu de casa! Ainda mais desarmado em território inimigo? Não, senhora!

— Mãe....

— Você prefere que ele morra em Olimpus assistindo o continente inteiro ser destruído? — disse Prometeu, batendo na mesa. — Ou melhor ainda, que vire um escravo assim que eles subirem ao norte e cheguem lá. O que prefere?!

Prometeu suspirou, se apoiando na mesa ao lado de Magnus, abaixando o tom de voz.

— Não sejam ingênuos como eu fui. Não acreditem quem podem vencer. Vocês não podem.

Magnus retorceu o cenho voltando um olhar penoso para Sáskia.

— Acha que realmente podem impedi-lo?

— Não temos outra escolha.

Magnus fitou a mesa em silêncio, deu um gole no vinho e voltou os olhos para Lyra. A filha acenou com a cabeça dando a permissão que ele esperava.

— Nos costumes de Nova, temos um conselho para decidir coisas assim. Como soberano das terras de Artco, eu voto sim para a missão em Vale dos Imortais.

Ele ergueu o braço, sendo seguido por Jena e Viktor. Manjá deu uma boa cotovelada no pai fazendo ele seguir os votos. A rainha feérica foi a última, depois de muita insistência do filho.

— Então está decidido — proferiu Viktor.

Sáskia já percorria os corredores quando a rainha Dina a parou, puxando-a pelo ombro.

Sáskia encarou aqueles olhos negros sem pupilas. A princípio era assustadores, mas tudo que via na mulher era medo e apreensão.

— Traga nossas armas e filhos vivos, Sáskia. — disse, alto e claro  — A vida deles está nas suas costas agora.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora