Capítulo 28

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Éden realmente tinha o nome irônico que tia Saga deu para ele, e a maldita ilha fazia questão de mostrar isso para Sáskia e Helena no primeiro momento que navegaram pelas águas entre ela e Poleiro. Tiveram a sorte das sereias piratas, como Sáskia carinhosamente apelidou aquelas mulheres aquáticas, não terem furado o barco até afundar toda a gigantesca tripulação de cinco pessoas do pequeno barco. Sorte de que as criaturas não gostavam muito de levar flechadas na cara e foram embora quando a primeira caiu ensanguentada na água.

— Elas só estão com fome, isso quase nunca acontece! — dizia o folgado e velho demais capitão, se é que se podia chamar ele assim. — Priminhas dos Oceanídes, só um pouquinho mais violentas.

Chegaram na ilha por último após longos três dias de viagem com a pior comida que Sáskia já tinha provado. Como atrasadinhas receberam as vaias do povo do acampamento e assistiram as palmas e gritos para os outros campeões. Claro, todo baba ovo de uma família influente precisava estar ali para ganhar uma ou duas moedas de ouro caso o tal campeão escolhido vencesse, mas não esperava que a babação fosse tão organizada aos moldes do seu mundo.

A tenda que Nesrin as colocou para passarem a noite não era das melhores, mas pelo menos tinha comida realmente comestível e algo menos duro do que o chão para deitar a cabeça. Se tirassem o incenso forte seria perfeito, mas sua mãe não deixava ela apagar as malditas velas pois eram "tradição".

Sáskia chamou a mãe para dar uma volta pelo acampamento durante a noite quando muitos festejavam e cantavam aos "futuros" Senhores. Levem e Heloen já a esperavam de fora da tenda, mas Helena recusou.

— Ainda temos flechas para amolar — disse ela passando a cabeça metálica da flecha pela pedra numa técnica fluida como a água. — Mande eles embora.

— Eu volto já, mãe. — Procurou pelos chiclete nos bolsos, mas só encontrou o vazio.

Levantou cada pano, cada cadeira e cada mesa, mas só encontrou pó. Retornou para os dois Animálias tentando se explicar num português que os fazia soltar risadas.

— Mãe! Cadê meus chicletes?

Helena não respondeu. Após muita mímica mal interpretada o rapaz de três dedos e a sem raça foram embora deixando um gosto amargo na boca de Sáskia que certamente teria melhorado com um chiclete de menta.

— Não é tempo de brincadeiras, Sáskia — disse sua mãe, amolando uma adaga. — Vice realmente tem noção do que estamos prestes a fazer?

(Lembrar de fazer as flechas do Arco Divino também serem de Eternium como parte de una tradição dos falco)

— Você escondeu, não foi? — Sentou-se ao lado dela. — Podia só dizer pra eu não ir!

— Eu disse. Mas entra por um ouvido e sai pelo outro.

— Não é verdade o que Atalanta disse, tá bom? É diferente do seu tempo, nem todo mundo morre!

— Mesmo que seja diferente, não se lembra do real motivo de estarmos aqui? Só "passar de ano" não serve pra gente.

O cheiro de incenso daquelas velas malditas já estava fazendo o nariz de Sáskia arder.

— A última vez e que eu venci um Conclave, Boitatá não era a presa porque ninguém maluco o suficiente faria disso uma prova. Você o viu, filha.

— Tá, então você tá dizendo que a gente não tem a mínima chance.

— Eu estou dizendo que temos que aumentar as nossas chances. — Entregou uma flecha para ela e uma pedra. — Tudo de que precisamos é de uma escama, nada mais.

Sáskia começou a afiar a ponta da flecha em silêncio até a voz mais gentil da mãe, soar:

— Quando tudo isso acabar, e conseguirmos a nossa liberdade vamos achar a Yggdrasil e voltar pra casa, filha. Eu prometo.

Sáskia parou por um instante, o turbilhão de pensamentos tomando conta.

— É realmente isso que você quer, mãe?

— Existem outros Caçadores — prosseguiu ela, sem tirar os olhos da ponta da flecha que amolava. — Não precisam de você.

— Mas os elfos e os humanos, e a fenda em Vale que já tá se abrindo. Se os Deuses saírem, eles vão precisar de alguém possa passar da lei das três fais-

— Lidar com guerras não é trabalho pra uma criança, Sáskia!  — gritou.

Sáskia se encolheu, desviando o olhar.

— Desculpe, é que eu achei que a senhora...

— Não se importe comigo — continuou ela, num tom mais baixo, mas não menos estranho para Sáskia. — Nem com esse mundo.

O resto da noite seguiu com instruções de caça, cuidados de sobrevivência na floresta e táticas para não ser morta pelos outros competidores. Ao deitar a cabeça no travesseiro Sáskia não pensou no mítico Boitatá, ou na possibilidade de se tornar a Senhora de Poleiro de Harpia. Na sua mente, apenas a imagem fria e em desespero da sua mão ao olhar aquele mapa vinha. Quatro palavras tiravam seu sono. "Foi tudo em vão

Se levantou no meio da noite tentada a sair lá pra fora e xingar os malditos que ainda continuavam festejando alto demais. Seus olhos se voltaram para o papel ao pé da entrada da barraca, e Sáskia caminhou até ele.

Em letras tortas e quase ilegíveis, ainda podia ler no bom e velho português a cartinha assinada por Atalanta.

“Não morra”

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora