Capítulo 7

12 4 0
                                    

Os policiais não foram tão cordiais com uma dama como deveriam ser e levaram Saga e seus dois alunos juntos à delegacia. Eles não deram ouvidos aos malucos que gritavam por “Deusa”, mas os buracos de bala na suas roupas chamaram a atenção indesejada deles. Nunca gostou de guardas desde os tempos antes desse mundo. Os de Etéria nunca largavam do seu pé.

Ela não era apta nas artes da magia como outras Deusas, algo que viria bem a calhar nesse momento. Não, teve que usar sua língua afiada ao longo dos milênios para dar uma burlada do sistema quebrado de justiça deles. Por sorte o delegado lhe era familiar: Um dos seus pequenos alunos da terceira série quando fez um bico de dez anos como professora infantil em Belém do Pará. Já era um homem alto, com um rosto cansado e rechonchudo, mas que se abriu em um sorriso ao ver a antiga professora.

Um sorriso que rapidamente se transformou em confusão.

— Tia Carla? A senhora não envelheceu nada. — Ele coçou a cabeça.

— Ora, Zezinho, meu querido. A sua professora sentiu tanta saudades de você! Veja, estou no curso de história agora e tenho TANTA prova para corrigir até amanhã. Poderia fazer esse favor pra sua tia, Zezinho? Você sempre foi um dos meus favoritos!

Zezinho enfrentou os olhares curiosos de seus policiais e lançou um igual para Saga.

— Tia, por favor, na frente dos meus homens, não.

— Ah, mas, rapazes, vocês não tem ideia de como Zezinho era! Lembro ainda como se fosse ontem da vez em que ele cagou nas calças.

Ele a interrompeu, limpando a garganta e cortando o princípio de uma risada entre os policiais na sala.

— Não será necessário, Tia Carla. Eu...a senhora não causou nenhum problema, só tenha mais cuidado ao lidar com esse tipo de gente.

Saga já tinha sua saída dali, mas estava fácil demais e tinha uma plateia pedindo pelo seu show. As provas podiam esperar. Agora era hora de ser a saudosista “Tia Carla” e dar um pouco de diversão àquelas pessoas cansadas. A deusa Saga não poderia dar as costas a uma chance dessas.

A manhã chegou e com ele o fim da sessão de tortura com Zezinho e seus oficiais. Por ter tornado o plantão deles menos tedioso, Saga ganhou amigos preciosos na delegacia. Isso era bom, talvez na próxima década pudesse fazer uma vida de policial ali quando Zezinho batesse as botas.

Não foi difícil convencer Arthur e Thaís a virarem o rosto pro que tinha acontecido. O rapaz a idolatrava tanto que parecia um daqueles sacerdotes de Éteria e a garota pouco se importava com suas vidas passadas desde que tivesse o privilégio de ser a favorita na sala de aula. Saga gostava de ter os dois por perto, talvez porque a lembravam dos mortais do seu mundo. Mas não sabia se era saudável para os dois andar com uma professora como ela.

Os primeiros raios da manhã iluminavam as ruas ainda vazias enquanto Saga caminhava para casa. Era o início de um dia calmo como qualquer outro de sua infinita existência, mas mesmo dias calmos como aquele podiam guardar surpresas para uma deusa como quando sentiu a árvore entre mundos se abrir.

Não fazia barulho, mas a sensação de queimação no seu braço esquerdo dizia tudo. A tatuagem de um oito deitado, que era a marca de sua imortalidade, brilhou fortemente por baixo de sua camisa lançando uma tênue luz vermelha por entre os buracos das balas. Então era verdade. O maldito Prometeu realmente fez a guerra que tanto almejou e a estava trazendo para o seu mundo. Saga não podia permitir tal coisa.

Pagou um barco para levá-la através do rio negro até a margem oposta. Era de manhã cedo e poucas embarcações navegavam naquelas águas, mas a floresta estava viva seja por animais despertando ou por Deuses passeando. O barqueiro de porte humilde a perguntou o que fazia tão cedo e qual seu objetivo na floresta. Não fez comentários sobre suas orelhas, por incrível que pareça.

— Tome cuidado na floresta a essa hora, minha filha. — disse ele, se inclinando para fora do barco e lavando as mãos enrugadas. — Dizem que Caiporas rondam essa mata a essa hora do dia. Pode se perder com seus truques.

Ora, um mortal que ainda lembrava das histórias que Saga contou. Que respiro de ar fresco. Mesmo que as eras tenham passado e os mortais daquele mundo tenham mudado, ainda era bom saber que alguns de seus contos ainda sobreviviam e a influência de seu mundo permanecia forte.

— Obrigada, meu senhor. Mas não se preocupe. Já lidei com muitas Caiporas antes.

Ele riu, um sorriso sem muitos dentes na boca, mas um genuíno.

— Bem, se é assim então, boa sorte no que você tá procurando.

A floresta lhe deu as boas vindas com aquele ar úmido e quente que a trazia memórias de Artêmia. Há muito tempo não tinha estado ali para ver a Ygdrassil, já não se lembrava do chão cheio de sujeira e da maneira difícil de se locomover entre aquela vegetação no seu caminho. Tentou fazer do jeito mortal por alguns minutos, mas aquilo já estava um saco. Não podia deixar a árvore entre mundos esperando.

Se agachou contra o chão da floresta se preparando para pular. Já estava enferrujada e não tinha feito aquilo já há alguns anos, mas nunca perdia o jeito. Saltou e se lançou contra as copas das árvores como um foguete.

O mar de árvores a recebeu num casamento com o céu azul brilhante bem à sua frente. O vento batia contra seu rosto como se estivesse na parte de fora de um avião, aqueles pássaros de ferro que os mortais daquele mundo inventaram. Ainda estava subindo em um movimento de arco até começar a cair de novo e as copas das árvores a chegarem mais perto e então o chão veio de encontro com as suas pernas novamente.

Ela manteve o ritmo, saltando como se estivesse em um trampolim gigante, se arremessando para frente, sentindo o sangue subir à cabeça. Que saudade que estava disso. Que saudades que estava de se movimentar como um deus.

Após algum tempo saltando pela floresta avistou o brilho que procurava entre as árvores. Uma luz vermelha que respondeu à luz da sua marca, não havia dúvidas: A árvore entre mundos Ygdrassil, a qual um dia Saga já atravessou, tinha sido aberta novamente como previa. Tinha que tomar cuidado, não sabia qual tipo de Deus ou qual intenção eles poderiam ter com ela. Parou a alguns metros de distância e observou com cautela.

As duas árvores podiam muito bem enganar os olhos mais desatentos de quem passasse por ali, mas aos olhos de um Deus, não. Eram maiores que as árvores ao seu redor, com troncos escuros em contraste com o tom verde da vegetação ao redor. Em um dia normal, sem Deuses passando para lá e para cá, estariam ainda mais escuros, mas naquele dia brilhavam. Rastros vermelhos atravessavam os troncos de ambas como veias até chegar na ponta dos galhos que ligavam as duas formando um portal para o mundo que Saga deixou para trás.

Saga se esgueirou por entre os arbustos e se deitou na mata observando enquanto duas figuras atravessavam o portal. Um homem e uma mulher, ela segurando algo em mãos, o choro imparável indicou que era um bebê. Era só o que faltava para Saga. Um par de deuses e uma criança mortal. Os malditos nunca aprendiam a lição básica de uma vida imortal: Nada de filhos. Ver eles morrer doía demais.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Onde histórias criam vida. Descubra agora