Prólogo

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Sadie Sink

Talvez eu devesse estar a caminho do psiquiatra a esta altura do campeonato ou no mínimo agendar uma boa terapia, porém o buraco na minha conta bancaria estava tão grande quanto o do meu peito e isso me causava enjoo. O murmúrio das pessoas conversando ao meu redor logo na entrada do escritório, junto dos sapatos de salto na cerâmica polida, faziam minha cabeça explodir.

Inevitavelmente, meu olhar cruzou com o de Marie quando segui para minha mesa, com um sorriso nervoso no rosto. Logo, optei por mudar o percurso habitual, indo diretamente ao banheiro feminino para fugir da loira, ainda que de maneira covarde. Eu precisava recuperar o fôlego para enfrentar o dia, o qual eu sabia que seria longo, e aproveitar para repensar se fazia realmente sentido estar enfrentando aquele inferno; eu nem deveria estar ali.

Deixei os envelopes e a pasta sanfonada sobre a pia, junto de minha bolsa e foquei a atenção no espelho; eu consegui ver perfeitamente as olheiras fundas. Droga, aquilo estava horrível, mas  eu não tinha escolha a não ser voltar ao saguão.

Respirei fundo outra vez e assentei os fios ruivos e rebeldes que se desfaziam do coque alto e feito porcamente pela manhã. Àquela altura, eu detestava aquilo tudo: o sorriso forçado, a maquiagem, roupas passadas e engomadas, sapatos e bolsas caras, com joias finas: era apenas uma merda de fachada para uma merda de vida.

— Você está bem, Sadie? — a voz reconhecível a quilômetros de Maya me tirou dos pensamentos ao abrir a porta do banheiro.

— Bom dia para você também. — respondi irônica ao vê-la entrar e me fazer companhia na pia branca e bem esculpida. — Estou bem, só estou... Cansada. — passei as mãos abaixo dos olhos e ajeitei o blazer ao corpo.

— Que susto, achei que estivesse passando mal como na semana retrasada. — levou a mão ao peito aliviada e rapidamente olhou para os lados, como se tivesse medo de alguém nos ouvir. — Inclusive, você resolveu aquele assunto com o Nicholas?

Suspirei, apoiando as mãos no balcão.

— Óbvio que não. Ele age como se nada estivesse acontecendo.

— Ele é um panaca mesmo. — revirou seus olhos claros, cruzando os braços. — Eu sinto muito por isso tudo, espero mesmo que se resolvam logo.

— Na cabeça dele, já estamos resolvidos. — respondi, pegando minha bolsa e colando os envelopes e a pasta ao meu corpo novamente. — Vem, vamos trabalhar. — sorri fraco.

Maya afagou brevemente meu ombro e saiu caminhando à minha frente. Ela deu uma leve corridinha rumo a sua mesa, fazendo o cabelo loiro e curto movimentar, enquanto eu caminhava vagarosamente de propósito; eu não suportava mais estar ali. Sentia meu estômago fundo, minha respiração descompassada, e quase tinha a sensação de que poderia tocar naquela atmosfera densa que estava instalada no escritório.

Uma brisa gelada inundou o lugar, como se todas as portas e janelas estivessem abertas naquele abril nublado. O som de vidro se partindo foi idêntico aos fogos de artifício no réveillon; mas infelizmente não era exatamente isso que se passava.

— Todo mundo quietinho! — uma voz grossa e com um sotaque latino se instaurou no lugar.

Paralisei. Um arrepio correu pelo meu corpo, tal como uma corrente elétrica, fazendo-me prender a respiração e minha boca secar.

Tudo que eu pude ver foram alguns cacos de vidro no piso escuro e os olhos arregalados de Marie e Maya, bem a minha frente, no exato momento em que meus braços amoleceram ao sentir algo gelado em minhas costas, fazendo os envelopes e a pasta chocarem-se no chão.

— Quietinha, escutou. — dessa vez era uma voz diferente, mais rouca e tão próxima a mim, que me fez engolir em seco. — É um assalto, gatinha. Então.... — ouvi o som do engatilhar; era isso que gelava a minha espinha: uma arma. — Colabora.

E foi nessa manhã de terça-feira, faltando oito horas para o fim do expediente e com o escritório lotado de funcionários e colaboradores, que eu o vi pela primeira vez e o inferno se abriu.

Crime Culposo | Vol.1Onde histórias criam vida. Descubra agora