CAPÍTULO 04: Casais de idosos com gostos peculiares

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Esta família é muito unida
E também muito ouriçada
Brigam por qualquer razão
Mas acabam pedindo perdão
A Grande Família,
Dudu Nobre

...

Jason Samers

Pego a bandeja e levo-a até a
mesa de clientes do canto da parede que ansiavam numa conversa meticulosa de como fariam o esquema de cola na prova de matemática. Sorrio nostálgico. Isso me lembrou meus anos de ouro quando pré-adolescente e meus descuidos nem um pouco discretos junto a Kim na prova de química, rendendo uma bela suspensão de três dias pelo diretor narigudo com bigode estranho.

— Jay, acho que conseguimos mais uma cliente. — Kim me avisa com os olhos pregados no computador quando termino de atender os cinco jovens com vozes inconstantes pela puberdade.

Apoio os braços na bancada da lanchonete e estico o pescoço para ver melhor, tirando algumas mechas de cabelo da frente do rosto.

— Jane Whitney. — Sibilo observando a foto de perfil da garota dona de um olhar de cachorro pidão e cabelos desgrenhados. — Ela parece perfeita.

— E realmente é. Aqui diz que ela tem um leve crush no melhor amigo, mas é tímida demais para se declarar. Tem dezesseis anos, gosta de xadrez e músicas country. — Kim termina sua explicação, enrugando o nariz, e eu rio minimamente.

— Acho que umas cem pratas serão o suficiente. Pode fechar contrato. — Digo e meu amigo acena, concordando.

Eu pego a bandeja, agora vazia, e vou em direção ao fundo do balcão para pegar o próximo pedido e continuar meu expediente no estabelecimento do meu avô paterno Nicholas Samers de quase oitenta anos que se recusa a ficar parado e, então, construiu esse lugar no final do ano passado para passar o tempo, deixando minha avó, Melinda Samers, uma pilha de nervos; pelo menos, só foi no início, porque hoje em dia a coroa é quem mais passa o tempo por aqui. Segundo a mesma, ela já está velha demais para ficar longe do meu avô por muito tempo.

— Querido, ligue a televisão para mim, por favor. Quero ver o jornal. — Minha avó pede apertando os olhos para o controle, já que não conseguia enxergar nem um palmo a sua frente, pois se recusava a usar os óculos em frente à desconhecidos.

Suspiro com um sorriso cansado.

-— Vó, já disse para a senhora não deixar seus óculos em cima do balcão. — Entrego os dito cujo e pego o controle para atender ao seu pedido.

Oh, meu filho, qual é a graça de viver sem um pouquinho de diversão? — Pergunta retoricamente e sorrimos cúmplices um para o outro.

De todos os meus parentes, vovó era com quem eu mais me parecia em personalidade e, segundo meu avô, ela não era nem um pouquinho calminha na minha idade. Ou seja, minha vó era minha confidente desde alguma merda planejada até uma fuga que precisasse de um cúmplice para me acobertar.

— Mas a senhora ficar praticamente cega não seria um pouco de imprudência?

Ah, que nada! — Balança as mãos em sinal de despreocupação. — Não há melhor coisa do que estressar uns motoristas apressadinhos que uma velinha indefesa e quase cega atravessando a rua. — Ri de sua hipótese que mais seria uma das suas diversões matinais, e rio, balançando a cabeça.

— Te amo, vó. — Bejo sua testa e ela dá tapinhas nos meus ombros com suas mãos enrugadas.

— Também te amo, fofinho. — Aperta minha bochecha, depois de alinhar os fios rebeldes do meu cabelo. — Se quiser, dentro do quarto armário, atrás de um pote de pó de café, tem um pacote de biscoito que comprei para você. Não conte aos seus irmãos. — Pisca e eu tenho que segurar a enorme vontade de soltar uma gargalhada.

Ela é Ella || ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora