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CAMILA, JANEIRO 2021

- Lamentamos imenso, mas vamos ter de dispensar os seus serviços.

Coisas que podemos esperar quando estamos a meio de uma pandemia, mas que desejamos sempre que não nos aconteça a nós. Sair do escritório dos recursos humanos, a meio do meu dia de trabalho, com a informação de que me têm de despedir..., foi das piores sensações com que me poderia deparar.

Encarar os meus colegas, que por enquanto têm os seus postos de trabalho assegurados, e dizer-lhes que fui despedida, é a mesma coisa do que lhes dizer para esperarem que, a qualquer momento, lhes pode acontecer o mesmo. Porque não sabemos como é que uma companhia aérea sobrevive a tudo isto. Sim, os voos já retomaram, mas há cortes que têm de ser feitos. Eu sou um desses casos.

Se fosse hospedeira ou piloto, acho que não estaria nesta situação. Contudo, havendo três engenheiros nos simuladores, eles teriam de optar por aquela que tem o ordenado mais alto para ir embora. E começamos a fazer planos, a pensar que terei de deixar a casa que gentilmente me pagam em Londres, que tenho de voltar àquela que é a minha casa e onde não vou há mais de dois anos. Tenho até ao final da semana para sair da casa..., como se três dias me preparassem para tudo o resto.

Percorria as ruas de Londres, ligando ao meu irmão mais novo. O único que não iria começar a temer pela minha vida assim que lhe contasse as mais recentes novidades.

- Estás a ligar-me a meio de um dia de trabalho?

- Olá, boa tarde para ti também.

- Chata – rimo-nos os dois, parando quando percebi que já me estava a aproximar do gradeamento de ferro junto ao Rio Tamisa. Dei uns passos atrás, sentando-me num dos bancos de pedra do jardim. Centenas, senão milhares de pessoas costumam percorrer o Jubilee Park e a extensão de todo o rio para observarem a London Eye. Nesta fase da pandemia, já se começa a ver mais movimento, mas de pessoas que trabalham nestas zonas. Os turistas continuam a ser muito poucos.

- Fui despedida – disse-lhe, mantendo o meu olhar fixo na água do rio que corria com a sua típica calma. Desviando o olhar para outro lado que não a água.

- Como é que isso aconteceu?

- A empresa não está com os mesmos lucros, eu sou a que ganha mais...

- E a que trabalha horas extra, a que se for preciso está lá num fim de semana, no Natal... eles não te podem fazer isso, Camila.

- Podem, Lando – suspirou bem fundo – eu até acho que já podia ter acontecido há mais tempo. Eles não precisam de tantos engenheiros no simulador, sobretudo quando não estás a criar novas rotas de viagem...

- Não é justo. E agora?

- Ainda não sei, vou ter de procurar trabalho nos próximos tempos, mas, antes de tudo isso, tenho de regressar à minha casa – voltou a suspirar, sabendo exatamente o que isso significaria.

- Eu vou contigo – estas três palavras foram as suficientes para que começasse logo a chorar – quando é que queres ir?

- Tenho até ao final da semana para sair da casa aqui de Londres – olhei para a London Eye, impedindo que as lágrimas continuassem a cair-me pelo rosto. Acho que não estou pronta para as memórias que aquela casa me vai fazer voltar a viver, muito menos regressar a Sheerwater depois de tudo o que aconteceu. Encarar os mesmos vizinhos, aqueles que viram o meu maior sonho transformar-se no meu pesadelo de todas as noites.

- Eu vou agora para aí – sei que com o Lando há um à-vontade diferente. Se eu tivesse acabado de dar esta novidade aos meus pais, a primeira coisa que faziam era começar à procura de emprego por mim. E o Oliver ia ficar mais preocupado com o facto de eu voltar a ter de estar a viver no mesmo bairro que os meus pais. Depois..., depois todos iam pensar que eu ia voltar a viver naquela casa. O Lando, por sua vez, conhece-me melhor que eles todos; sabe que, neste momento, não é o ter ficado sem emprego que me aflige, mas sim tudo o resto – vou buscar sushi e enquanto começas a arrumar, eu janto – rimo-nos os dois.

Always, DanielOnde histórias criam vida. Descubra agora