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DANIEL

Ela está tão apática que me faz imensa confusão. Chegámos há poucas horas a Londres, vindo de imediato para o hospital onde a avó materna da Camila está. Só conseguimos voo ao final do dia de Natal, chegando aqui dois dias depois do AVC que a avó dela teve. E tenho a certeza que é por isso que ela está tão introspetiva. Ela está a reviver tudo aquilo que viveu com o Patrick, sabendo exatamente o que é que poderá acontecer.

- Ela está tão calada – comentou o Lando, sentando-se a meu lado – eu não a via assim desde... - calou-se, sabendo que eu percebia perfeitamente ao que é que ele se referia – temos de tentar tirá-la daqui... - a Camila está neste hospital há mais de 24 horas. Só comeu porque a mãe a obrigou, já que quando eu ou o irmão tentámos que ela o fizesse, recusou-se a fazê-lo – tenho medo... - e não me precisava de dizer do quê. Porque também eu o tenho, e até ela o deve ter.

- Vou tentar convencê-la a ir até casa - saí do meu lugar junto do Lando, aproximando-me dela. Estava sentada ao lado da mãe, com os olhos mais vagos de sempre – o que é que me dizes de irmos até casa... - não me deixou sequer continuar a frase, abanando que não com a cabeça - tens de voltar a comer qualquer coisa – cruzou os braços, olhando para a mãe.

- Ele tem razão, Camila – a mãe colocou-lhe a mão sobre a perna – a avó está estável - e isso era tudo o que podíamos agradecer neste momento - não é por ires a casa que vai acontecer alguma coisa – e duas lágrimas grossas caíram-lhe pelas bochechas – se para nós é difícil - a Cisca virou ligeiramente o corpo para a filha – para ti é ainda mais – começa a embalar o próprio corpo, sabendo que ela só faz isto numa tentativa de se acalmar – mas não voltes a viver tudo isto desta forma – os olhos dela encheram-se ainda mais de água, acabando mesmo por soltar um longo soluçar. Depressa coloquei as minhas mãos nas suas coxas, baixando-me à sua frente e, de imediato, cruzou os seus olhos com os meus, enchendo o peito de ar.

- Pode ser rápido? - perguntou baixinho.

- Podias aproveitar para jantar e dormir... - voltou a acenar que não com a cabeça.

- Só comer... e tomar banho – levantei-me, esticando as minhas mãos na sua direção. Assim que as agarrou, puxei-a para mim e, de mão dada com ela, começámos a sair do hospital.

Voltou ao silêncio. A mexer constantemente no anel que lhe tinha oferecido e a perder o seu olhar no vazio. Sei que ela está em piloto automático e, assim que chegámos a casa, foi direta para a casa de banho, não demorando muito tempo para começar a ouvir a água cair no duche. Há uma sensação de impotência enorme a crescer em mim. Por muito que ela saiba que a avó está estável, os fantasmas do seu passado tomam conta da Camila nesta situação. E não há nada que eu, ou qualquer outra pessoa, possamos fazer para que ela se sinta melhor.

Comecei a preparar uma massa com cogumelos e molho de natas, já que seria a coisa mais rápida que temos disponível neste momento. Ouvi-a sair da casa de banho e subir, logo de seguida, as escadas que dão acesso ao seu quarto. Não demorou muito até aparecer, de novo, na sala e sentar-se no sofá. Tinha vestido umas leggins pretas e o hoddie preto da minha coleção que acabara de lançar. Mantinha o cabelo molhado envolvido com uma toalha, dobrando as pernas em cima do sofá e olhando-me.

- Pode ser macarrão com cogumelos e molho de natas? - apenas me encolheu os ombros – queres falar comigo sobre tudo o que vai nessa cabeça... - virei-me de costas para ela, tomando atenção à comida – enquanto o comer não está pronto? - fez-se silêncio e, olhando de soslaio para ela, percebi que tinha começado a chorar de novo.

- Por mais que ela tenha 92 anos e que não nos reconheça..., eu gostava que a minha avó soubesse o quanto nós gostamos dela – pouco sabia sobre os avós da Camila. Apenas que os seus avós paternos já tinham morrido, mas pouco do lado materno. Foi, durante a viagem e quando não sabia o que é que se tinha passado com a avó que me falou dela. A mãe da Cisca, a Sra. Eden, está num centro de apoio continuado, já que sofre de Alzheimer. Há cerca de cinco anos começou a perder a lucidez e a capacidade de continuar a ser uma mulher autónoma - gostava de a ter ido visitar mais vezes neste último ano, mas com tudo da pandemia... - percebi que respirou fundo – gostava que ela acordasse e, como que por milagre, se lembrasse de todos nós...

Always, DanielOnde histórias criam vida. Descubra agora