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DANIEL

Este fim de semana não podia estar a correr de melhor forma. Se durante a qualificação senti que o carro, pela primeira vez, estava a responder àquilo que eu tentava fazer com ele, ontem durante a corrida sprint foi a prova disso mesmo. Consegui ter ritmo, ultrapassar dois carros e fazer tempos como há muito já não fazia. Sinto uma confiança em mim diferente este fim de semana.

E é tudo culpa dela.

Da mulher que, ontem à noite quase fez uma birra sentada no chão do meu quarto de hotel, porque não tinha nenhumas meias dela para calçar. Porque uma das coisas que ela não consegue fazer é dormir sem elas. Ela, a mulher que adormece a olhar para mim e que acorda com um sorriso nos lábios quando lhe toco ao de leve. Ela que anda demasiado pensativa desde ontem e que deve ter tudo a ver com a pergunta que lhe fiz no final da sprint.

- Tens andado mais calada – estava na casa de banho, mesmo em frente da cama, a maquilhar-se ao espelho. E, de cada vez que temos este tipo de rotina, ela vai falando comigo sobre as mais triviais coisas que se possa imaginar. Hoje não. Hoje nem sequer disse bom dia, ou sorriu ao olhar para mim.

- Não tenho grandes coisas para dizer – e está de mau humor. Fantástico.

- Tenho uma ligeira sensação de que é exatamente o contrário - sentei-me na cama, esperando qualquer tipo de reação da parte dela. Só que a Camila não tem reações. E isso começa a deixar-me irritado. Remeteu-se ao silêncio, fechando a porta da casa de banho logo de seguida. E, no silêncio deste quarto, foi-me possível ouvi-la a respirar imensas vezes bem fundo.

Quando a porta de voltou a abrir, ficou a olhar para mim por uns segundos dando-me a esperança de que fosse dizer alguma coisa. Só que não abriu a boca e foi sentar-se na pequena poltrona para calçar os seus sapatos.

- Fala comigo, Camila – pedi, fazendo com que ela me voltasse a olhar.

- O que é que queres que eu te diga?

- Que te chateies, que me digas o que é que te deixou assim... – revirou os olhos, numa clara manifestação de que eu sei o que é que a deixou assim – explica-me então – pedi – foi por causa do que eu disse ontem, eu sei. Mas, volto a perguntar: porque é que estás assim?

- Como é que queres que eu fique? – ora aqui está uma Camila que eu ainda não conhecia. Com um tom de voz carregado de desprezo e, se aqueles olhos não mentem, neste momento estariam prontos a fuzilar-me – tu falas em reforma, no ano em que eu começo a trabalhar aqui – e, como sempre, acaba de me surpreender. Ela está chateada por eu começar a pensar em deixar de correr? – eu aceitei a promoção..., porque é das melhores oportunidades para a minha carreira, sim, mas a maior razão és tu – atirou com o sapato que tinha na mão para o chão, visivelmente chateada – eu não precisava de ter toda esta responsabilidade extra de fins de semana caóticos, nem da enorme camada de nervos que tenho em mim por ver que os teus esforços, não se traduzem em resultados que tu és capaz de os ter. Eu só aceitei este trabalho, porque sei que tu tens capacidades para muito mais e quero ser parte desse teu caminho nesta equipa – só consigo sorrir, mesmo que ela pareça que vai chorar a qualquer momento. Fui apanhado de surpresa, e é das melhores sensações de sempre – tu não sabias, mas ao fazeres aquela pergunta, é claro que fizeste com que eu ficasse a pensar no que é que podia ser a nossa vida. E, claro, se essa situação se pusesse à minha frente, eu tenho a certeza de que iria ficar confusa – foi a forma como ela se referiu à nossa vida, que fez com que perdesse a real noção sobre o que é que estamos realmente a falar.

- Vem cá – abri as pernas, fazendo sinal para que ela se viesse sentar aqui.

- Eu tenho de ir trabalhar – calçou os sapatos de salto pretos com detalhes dourados no salto, que quase se estragaram naquela primeira noite que passámos juntos. Assim que se levantou ajeitou a sua saia preta e a camisa da equipa que estava por dentro da mesma – é melhor não falarmos sobre isto..., pelo menos não hoje que tens uma corrida – ficou a olhar para mim por uns segundos, indo buscar a sua mala.

Always, DanielOnde histórias criam vida. Descubra agora