VI. Estrela

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O silencioso breu atormenta a limitada visão de uma jovem medrosa, a qual corre o máximo que pode, mesmo sem saber ao certo o que se segue à frente. Com o esbarrar nas paredes de pedra áspera, a saída daquele pesadelo se torna cada vez mais escondida no labirinto mórbido e gélido.

O coração desesperado tenta levar todo o sangue restante para os músculos doloridos, no mesmo ritmo que os pulmões se inflam ao máximo a cada inspiração. Tamanho esforço resultou em um suor excessivo, o qual se mistura com o sangue que escorre dos ferimentos. Dessa forma, um rastro de fluidos avermelhados é deixado para trás.

No meio daquela loucura desenfreada, uma pedra que compunha o chão parece misteriosamente se levantar, um movimento singelo, porém cuidadoso. O equilíbrio da medrosa desaparece com aquela estratégica elevação e em um segundo está no chão.

Sem saber o que a derrubou, a jovem observa o chão atrás de si, está completamente normal. Algo se espreita e a segue por detrás das rochas, mas a jovem não percebe isso, sua atenção se mantém sobre o sangue em seu ombro.

Se continuar desenfreadamente, os cortes só aumentarão, ela precisa fazer um novo curativo. No entanto, ela não confia naquele escuro corredor, se sente exposta demais aos perigos do escuro.

Ao olhar para as sombras, a garota percebe uma silhueta na parede, é uma porta. Tal lugar não parece o melhor dos esconderijos, no entanto, é mais seguro do que o corredor e, por isso, ela decide caminhar para tal local.

Ao empurrar a emperrada porta, a garota tem uma visão horrorizante, similar à presenciada na sala das "bênçãos". Dezenas de corpos estão empilhados em todos os cantos do cômodo, além disso, suas carnes são devoradas por larvas e ratos repugnantes. Dessa forma, um odor fétido toma o local pútrido e escuro.

Diante do ambiente enojante, Aurora acaba vomitando naquele chão perverso, misturando, assim, os resíduos de sua refeição com os restos daquelas pessoas. Um gosto ácido e amargo surge em sua boca, dando ainda mais repúdio ao que acontece lá embaixo.

Após se estabilizar um pouco, a jovem saca a sua espada estranha e corta a manga de seu braço ferido com muito cuidado, ela não quer outro ferimento. Ao conseguir tirá-la do membro ferido, ela a enrola sobre os ferimentos e a aperta na tentativa de diminuir a hemorragia.

Quando a jovem se prepara para sair de volta ao corredor, a pesada porta se abre lentamente, dando visão a quem a observa, o padre. Seu sorriso maléfico ao achar sua presa é desconfortante, a trilha de sangue e suor o guiou até ela.

  — Não há como fugir das punições divinas, cordeira.  — O velho adentra no cômodo na mesma velocidade com que Aurora dá passos para trás.

  — Não chegue perto!  — Aurora aponta sua espada para o sacerdote quando encosta na parede fria de pedra.  — S-seu... BOBOCA!

  — Se continuar renegando a Deus, acabará nas mesmas condições dos corpos que pisa.  — O padre aponta para baixo e a jovem se assusta um pouco ao se perceber sobre a pilha de defuntos.

  — V-você não pode fazer isso!  — A jovem volta a olhar para o velho.  — Seu Deus não defende o amor ou algo assim?

  — Ele vos ama, mas desdenha seus pecados.  — O padre levanta suas mãos e olha para elas.  — Por isso as condeno à redenção, minhas mãos estarão limpas no julgamento aos céus.

  — Mas elas estão sujas de sangue nesse momento!  — Apesar de suas falas, o tremular de sua espada expõe seu medo.

— INSOLENTE!  — O padre grita com uma voz imponente.

Com o avançar do devoto, fica claro na mente da garota que não conseguirá lutar, o medo a domina completamente. Por isso, arrisca um movimento esgueiro e inesperado, ela pula entre as pernas abertas do sacerdote e corre em direção à escuridão.

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