XXVI. Vedada

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*Quatro dias depois*

O interminável sono que assolava a Aurora por semanas parece se enfraquecer. No meio da confusão, a devastada começa a distinguir os delírios da sua mente embaraçada, finalmente tem algum vislumbre da realidade. Ela sente seu corpo apertado, preso a algo que balança, "Será que é o Wem me carregando", ela se pergunta com uma vontade extrema de abrir seus olhos. Todavia, ela se quer tem forças para isso, está muito cansada.

Nesse meio tempo, isolada por sua mente e corpo fracos, restringe-se a pensar e imaginar sobre o futuro e o passado, uma mistura estranha entre os dois. Vários acontecimentos passam por sua cabeça como se fossem reais, apesar disso, ela não sabe distinguir a veracidade das situações, talvez sejam pegadinhas da ilusão. Uma de suas memórias surge martelando seu ser, essa que ela tem certeza que ocorreu, uma vez que é a mais secreta e obscura resguardada em sua alma. Uma que ela só ousaria relembrar agora, pois seu corpo não irá tremer devido às bandagens.

Era embaçado, muito embaçado, como todas as suas memórias mais antigas, muito borradas para se disfarçar as imperfeições. Nessa em especial, a coisa mais nítida era o som insuportável da guerra que transcendia os enormes portões em chamas, prestes a desmoronarem. Ela não lembra o que sentia naquele momento, porém seu reflexo na janela demonstrava um sorriso retorcido. A liberdade chegou.

Quando o laranja que iluminava a noite tocava os pés do palácio, o grito da morte ecoava, espreitando o ouvido daquele que temiam. Nesse momento de angústia, Aurora soube que já estava na hora de cumprir o seu contrato e seu sonho. Passos nervosos e esguios levam a Aurora ao trono, onde um rei destinado ao fracasso se cercava de soldados, apenas esperava a grossa porta de madeira se esmigalhar.

Tal covardia era típica daquele homem que chamava de pai, um homem nobre que morreria como um indigente. O restante da família real não estava presente, todos rumariam destinos diferentes, por passagem diferentes para fugir daquele cerco. Bem... essa era a ideia deles.

O olhar de preocupação do rei se reprime ao ver sua filha, a última que deveria partir, levando consigo o item mais precioso daquela futura ruína, a espada real. Por que ele cedia tal arma sagrada nas mãos da Aurora? Ele não deveria a odiar? Era isso que ela lembrava, talvez ele quisesse que a procurassem ao invés dos outros irmãos. No fundo, ela sabia que isso não era verdade, aquilo não era um castigo, mas sim, a mais pura confiança, pena que a Aurora não era digna de tal orgulho.

Houve algum diálogo entre Aurora e seu pai, ou melhor, um monólogo dele. Entretanto, ela não se lembra das palavras, mesmo que na memória ela parecesse ouvir com muita concentração, o som nessa parte se tornou apenas ruídos estáticos. Para pôr o fim no último encontro com seu pai, um abraço bem apertado a envolve.

O homem tremia nos seus braços, mesmo com o aparente medo, ele continua no trono depois dela partir para túnel. Talvez o rei não fosse tão covarde como ela se lembrava.

A jovem era guiada pelos corredores por dois guardas da mais renomada infantaria do Império Valôm, a missão de tais homens era unicamente proteger a princesa a qualquer custo, e a dela era fugir com a espada. O caminho pelos corredores era frenético, guardas fechavam janelas e portas, barricadas eram formadas para a última linha da defesa imperial.

Nesse tumulto, a presença da princesa era irrelevante, assim, consegue chegar até a grande biblioteca do palácio sem empecilhos. Suas estantes recheadas dos mais diversos livros históricos estavam ali, completamente indefesos perante as chamas que se moviam rapidamente ao castelo. Aurora os observa com certa saudade, adorava ler os contos que se escondiam nos mais frágeis papéis, as palavras a auxiliavam a se esconder da solidão.

Um bloco de mármore pertencente do piso é erguido com enorme esforço dos cavaleiros, revelando uma passagem subterrânea escondida debaixo da terra. Uma tocha é acessa para iluminar o breu e a pedra é colocado de volta ao seu lugar, escondendo qualquer vestígio que já estiveram ali.

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