XLI. Catástase

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As cinzas das ruínas voam como um enxame pelos ares pútridos daquela terra nefasta. O calor da queima macabra torna quente, as pesadas nuvens mórbidas, ocasionando uma chuva imunda de fuligem no auge do inverno.

Os pingos negros mal conseguem tocar o chão antes que as altas chamas o evaporem com suas enormes línguas apontadas para o céu. Nada parará o cessar dos gritos de desespero da morte, não restará ninguém para proferi-los dentro da vala comum.

As magníficas construções desabam pelo arder do fogo hediondo enquanto os condenados tentam respirar o raro ar puro naquele incêndio. A dita muralha invencível, símbolo da resistência e da prosperidade, a promessa de um futuro belo, se torna apenas lembranças amargas.

Enormes bandeiras imperiais são hasteadas no paredão de pedras cinzentas, as quais balançam freneticamente pelo ventar cinzento, uma provável bela cena aos olhos de um admirador à distância. Ali se ergue a última manifestação de poder do antigo regime, afinal, os revoltosos não durarão muito tempo, a guerra retornará aos escombros.

As últimas vidas inocentes ainda não dizimadas ou capturadas estão em volta do pequeno castelo da metrópole, no entanto, não há mais guardas para defendê-los, já se tornaram combustíveis para o carmesim. O posto foi abandonado, os altos comandantes fugiram por túneis, porém a maioria não é longa o suficiente para fugir do cerco.

Suas cabeças logo são expostas em lanças dos invasores, são troféus para os ensandecidos. Tais homens tentam avançar sobre o quarteirão remanescente, todavia, o arder das chamas não os deixa se aproximar. Talvez se carbonizar não seja uma escolha tão ruim, pois falecerá sem que seu corpo seja explorado ou ridicularizado.

No meio de tanta desgraça, há uma parte vazia se comparada as outras devastadas. Suas construções estão caídas no chão amargo, mas não foi só o fogo que lhe derrubaram, esta é a parte da tão custosa luta dos sobrenaturais. Parece que ela já teve seu epílogo, não se vê nenhuma violência.

Um ponto avermelhado abandonado da imensidão é a única coisa que se altera naquele inferno vazio. Um enorme e dismorfo braço cristalizado coberto por fuligem é a origem de um florescer de carne retalhada.

Os membros surgem lentamente conforme os tecidos se entrelaçam com os ossos recém-formados. Um corpo forte e nu surge, mas se mantém estático como um defunto até que a cabeça começa a ser regenerada.

Os olhos estáticos e sem vida começam a se mover freneticamente por todos os lados, parecem confusos. Entretanto, quando a cabeça se forma totalmente, a aparente consciência e raciocínio demonstram se normalizar. Wem está vivo como sempre, a dádiva da morte não lhe tocou.

Enquanto seus membros inferiores ainda não se regeneram, o brutamontes observa a devastação ao seu redor. Soldados inimigos se espreitam ao longe, estão receosos em se intrometerem em uma luta que não compreendem, porém, a falta de ação os torna cada vez mais ousados. Não demorarão para chegar.

Todavia, o que mais chama a atenção do ruivo é um corpo pútrido e cheio de larvas e fungos perto de si. Pelo estado do defunto, é possível presumir que está morto há semanas, todavia, suas roupas imperiais estão apenas degastadas pelo tempo, não pela putrefação. É este detalhe que revela quem era aquele decomposto, era Arsor.

Seu braço em carne podre está esticado em direção ao Wem, quis tocar em seu Deus até em seus últimos momentos. O ser amaldiçoado mais forte da história reduzido a vermes.

Será que ele se encheu de êxtase até o oblívio? Seus questionamentos com a morte foram respondidos? Sentiu seus ossos se partirem pelo frio da inexistência? Ou foi apenas vazio, apenas monótono?

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