VII. Obsessão

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O ar estático e pesado hesita em adentrar nos flácidos pulmões de uma jovem recém-desperta, um enorme esforço é feito para puxá-lo. Além disso, o sangue que escorre por seu rosto não lhe causa aflito algum, inclusive os olhos negros e brancos observam a poça de carmesim que se forma pelo pingar em seu queixo.

Não há dor, medo ou qualquer outra sensação fútil, seu corpo permanece dormindo, apesar de acordado. É como se não fosse realmente a sua alma controlando a casca, está vazio agora e, por isso, os desprazeres não atormentam seu ser, não podem alcançá-la nos confins de sua mente.

A apresentação teatral está prestes a começar, já que a de olhos estelares já assumiu sua posição no palco, enquanto a de olhos verdes apenas observa o espetáculo, uma mera espectadora de sua própria vida. 

O leve mexer de seus membros já chamou a atenção dos mortos, os quais inclinam suas cabeças para analisar melhor a garota de olhos estrelados. Aproveitando-se disso, ela age inesperadamente ao puxar seus braços para baixo, fazendo assim, que os dois crânios já próximos se colidissem com força, os desnorteando.

Após isso, suas mãos são libertas do forte apertar das carcaças. Por causa disso, a jovem consegue sacar a sua arma enquanto se sustenta com apenas uma mão ao chão, o combate está prestes a começar.

Na primeira iniciativa, Aurora empurra seu corpo para trás, curvando as suas costas até que consiga ver os dois cadáveres que prendem as suas pernas. Com eles em vista, um golpe surpreendentemente bem executado decepa o braço de um dos mortos, um ataque limpo e perfeito.

Em seguida, ela consegue apoiar o pé liberto no chão e o utiliza como apoio para girar o corpo na direção contrária da última resistência. Dessa forma, a carne em decomposição é lançada em direção a uma parede, colidindo sem muita força, afinal, a jovem só quer se libertar por completo.

Erguendo-se em plena pose de batalha, a frágil jovem de outrora agora parece imponente ao meio de seus agressores desacreditados. Tais atitudes espantam a solitária espectadora no grande teatro, a de olhos verdes nem imaginou que detêm tamanha flexibilidade.

Rapidamente, os pútridos a cercam novamente, bloqueando as possíveis fugas da jovem, todavia, este foi o erro deles, supor que ela correria. Avançando de primeira, a jovem foca no defunto jogado na parede, este é o menos atento dentre os outros. Assim, não há defesas nem esquivas perante um golpe vertical, por consequência, o metal frio atravessa a deteriorada carne junto aos esfarelentos ossos até que o rosto desfigurado se torne disforme. O primeiro corpo cai em seu descanso eterno.

Mesmo com a primeira vitória, não há tempo a se perder, haja vista o avançar dos semelhantes do derrotado. Em resposta a isso, a jovem também decide ir ao encontro da zona de choque. Apesar de seu olhar vazio, suas atitudes demonstram a confiança em suas capacidades com a espada, bem diferente da inexperiência da de olhos verdes.

O primeiro a se aproximar tenta o mais simples dos golpes, um soco direto e desengonçado, tal ingenuidade culmina no desmembramento daquele membro, agora só restam quatro braços podres. Estranhamente, Aurora segura o braço decapitado enquanto avança em direção ao próximo oponente. 

O seu alvo é o último dos intactos, pelo menos os seus membros estão, pois sua carne é a mais deteriorada dentre todos, com ossos expostos pelo devorar das pragas. Em mesma degradação, o intelecto desse morto também é o pior, por tentar um simples morder sobre a destemida.

Em contramedida, Aurora aponta sua arma em direção à boca moribunda e estoca como uma lança. O apertar dos dentes tenta parar o golpe, criando assim um ruído perturbador que reverbera pelas paredes rochosas. Todavia, tal esforço é inútil, pois não demora para o corpo imóvel deslizar lentamente em direção à bainha.

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