XXIX. Prelúdio

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A enorme catedral é a primeira a presenciar o nascer do sol, os primeiros raios de luz que atravessam a cidade escura são acompanhados pelo bater dos mais alto sino. O despertar dos residentes é bem silencioso, uma vez que os corredores só são perturbados por pequenos ruídos ou conversas simplórias.

No entanto, o monótono silêncio é drasticamente rompido com berros de dor que ecoam pelas altas paredes de madeira. A origem de tal sofrimento se origina numa pequena sala, entre as inúmeras do grandioso templo.

Nela, só há duas pessoas que não aparentam estar em conflito, todavia, as pessoas fora do recinto olham para a sala com desconfiança. A voz escandalosa não engana, pertence a jovem que acabará de começar o tratamento, Aurora. A mesma se esperneia pelo chão, enquanto segura sua perna enfaixada.

— Eu te disse que ainda não é hora para de se levantar. — Uma freira assiste a jovem que chora no chão. — Seu machucado ainda não cicatrizou.

— Mas o curativo já tinha parado de sangrar! — Aurora contesta ao meio das lágrimas.

— Ele estava começando a cicatrizar, agora você abriu o ferimento novamente. — A jovem freira tem muita paciência. — Você está bem?

— Estou, Amice. — Aurora olha com preocupação o manchar vermelho do tecido em sua perna. — Só não sabia que ia doer tanto!

— É preciso dor para se curar, mas descansar é primordial. — A freira nota a inquietação da jovem chorona. — Por que quer tanto se recuperar? Precisa fazer algo urgentemente?

— N-não... só não gosto muito da comida daqui! — Aurora esconde a verdade com um sorriso. — Agora, pode me ajudar a levantar? O chão está muito frio!

— Oh! Claro! — A freira deixa de lado o seu sermão.

Quando é auxiliada a se erguer, Aurora pode observar mais de perto o rosto daquela que tanto lhe cuida. Os borrões já não são um incômodo, haja vista a proximidade e a recuperação de seus sentidos, dessa forma, os olhos marrons daquela jovem devota são nítidos. Além deles, sua face simpática acompanhada de marcas de uma vida outrora difícil a deixam mais bonita, mesmo que seu corpo e cabelo estejam escondidos por deixo de suas vestes brancas e negras.

Com um pouco de adversidades, a de olhos quase esmeralda é erguida sobre só uma perna, de uma forma que a mesma parece ter dificuldades em se equilibrar. Todavia, o calambear não dura muito tempo, uma vez que a Aurora se senta em uma rudimentar cadeira de rodas, a qual tremia com o não tão pesado corpo da jovem, além de não conseguir fazer uma curva decentemente.

O treino de reabilitação ainda se encontra no começo, com as aulas de atividade física ainda a desgastando enormemente o seu corpo e a sua mente com a dor. Todo esse processo deve demorar, além de que, estar submissa a alguém chateia a Aurora, pois ela não gosta de ser um peso.

Ao ser carregada pelos longos corredores, Aurora pensa que todos que passam a observam como alguém incapaz, uma garota frágil que precisa de proteção. Um suspiro revela sua frustração, os seus pensamentos negativos sobre si martelam a sua mente, uma vez que ela os manifestas na imagem de outras pessoas, atribuindo ideias de si em outros. "Será que Wem me vê assim? Um fardo?" é o que a mais preocupa, ser uma decepção.

A memória de cada caída, de cada fraqueza, de cada sensação do frio da quase morte formam um turbilhão em sua mente ainda confusa. Ela precisa melhorar, nunca pôde fazer nada pelos seus amigos e eles já fizeram tanto por ela. Quanta dor ela já causou aos que mais ama por ser ineficaz?

O ódio sobre si, o desdém pela sua mediocridade a forçam a tentar superar seus limites, mas ali está ela, uma pessoa indefesa que nem consegue ficar sobre suas próprias pernas, uma pessoa que se fere ao fazer o mais básico dos movimentos. Além disso, o tempo quase infinito que se passa dentro das cortinas é tedioso, a força a pensar, a se questionar, isso a intriga. Por que é tão desprazeroso refletir sobre a sua vida? É como se ela quisesse esconder algo de si mesma.

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