XLII. Flores

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O ódio, a decepção e a raiva se perdem no escuro de uma mente ofuscada pelo amargor de uma derrota. O mundo real não importa neste momento, não há mais como o alcançar enquanto se despenca no vazio solitário.

A neblina opaca da quase morte deixa tudo muito confuso, não há nada a se ver, ouvir, cheirar ou tocar, resta apenas lembrar do passado ofuscado. Quando a inexistência a espreita, uma única coisa se difere do monótono preto, uma pequena e fraca margarida.

A frágil flor escapa da encrosta da escuridão, talvez as barreiras que a prendem tenham se fragilizado devido ao sussurro do oblívio. Mesmo que nem tenha noção de direção, a mente confusa se esforça ao máximo para tocar nas pequenas pétalas amareladas.

Ao sentir a leveza na textura da planta, um clarão toma o ambiente negro de tal forma que a jovem fecha seus olhos inexistentes, uma simples metáfora. No momento que os abre, demora um tempo para que uma imagem se forme no meio de tanta luz, mas assim que a neblina se dissipa, um desenho infantil de um campo de margaridas surge.

É o mesmo que outrora se lembrou naquele vale florido, entretanto, dessa vez não é somente a estática imagem, mas sim a memória proibida.

Suas pequeníssimas mãos que seguravam a folha de papel com muito apresso pareciam empolgadas com os rabiscos que acabara de fazer. Um grande orgulho para um risório retrato de uma paisagem mal feito.

Quando a detentora dos membros alegres se moveu, Aurora percebe que não a seguiu, seu olhar fica para trás. Esta memória esquecida não se passa sob a visão da sua eu do passado, é uma mera espectadora sem corpo.

A criança com cabelos soltos e roupas simples, mas claramente luxuosas, se mantinha de costas para a jovem que observa enquanto admirava sua obra de arte abstrata. Aurora se move por esta lembrança como uma nuvem, não consegue interagir com o mundo em sua volta, e este também parece não a perceber, só lhe resta consciência. Parece que seu ser interior quer lhe mostrar algo, quais dos olhos quer se lembrar?

Ao chegar em frente sua imagem do passado, ela percebe o rosto apagado e ofuscado de si, como se estivesse censurado. Ela se pergunta o porquê disto, será que não se lembra de sua própria face?

Antes de formular mais perguntas, o abrir da porta de madeira na frente da pequena a distrai. Uma mulher com roupas serviçais desgastadas adentrou no quarto e se dirigiu a Aurorazinha, era a sua criada particular. Qual era o seu nome mesmo? Bem, isso é irrelevante.

Toda a aparência dela se assemelha exatamente ao que se recorda, uma mulher magra e alta. No entanto, um grande aspecto se difere na imagem daquela doméstica, há uma margarida no lugar de sua cabeça.

A jovem não consegue explicar nem entender o motivo de tal troca estranha, há algum significado? Propósito? O que a pequena margarida na escuridão quer que ela entenda?

Enquanto faz tais questionamentos, a criança foi vestida com roupas extremamente formais e delicadas, um vestido exuberante, além de que seu cabelo foi moldado em tranças com fitas pretas e brancas junto a pequenas pedras avermelhadas brilhantes. Estava parecendo uma verdadeira princesa do maior império deste mundo.

Quando a espectadora volta a prestar atenção a sua volta, ela nota o desaparecimento das duas pessoas naquela sala. Por causa disso, a já não tão sonhadora atravessa a porta e as vê andando de mãos dadas pelos corredores do grande palácio ornamentado.

Aurora não se recorda disto, a criada era um legítimo demônio que a maltratava em suas lembranças, mas agora pareciam tão próximas. Há algo errado, no entanto, qual das suas duas verdades está mentindo?

Os corredores eram enfeitados por belíssimas obras de arte, como quadros e esculturas. Além disso, dezenas de guardas reais guarneciam este trajeto, um grande evento no palácio acontecia.

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