Aquele do desenho.

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A primeira vez que conversei de verdade com meu pai sobre minha orientação sexual foi lá pros quatorze anos de idade.

Gostaria muito de pular a minha fase heterossexualidade compulsória e dizer que ela nunca existiu, só que eu não posso porquê ela esteve presente em minha vida, sim. E isso é muito fodido, não é? Eu acho que sempre soube que não gostava de garotos como minhas primas ou amigas da escola, mas, por crescer com regras e costumes religiosos - minha avó paterna sempre foi católica roxa, e seus filhos não seguiram caminho diferente - acabei tecendo tudo aquilo para mim também.

Na minha família as coisas sempre foram oito ou oitenta. Se gostavam de você, então gostavam mesmo. Mas se não, então era tchau e benção. Isso aconteceu com Adrian, meu primo, quando saiu do armário pra família pela primeira vez aos dezesseis anos.

O primeiro e único caso gay da família, meus tios compartilhavam dessa piadinha ridícula nos almoços de domingo como se ser gay fosse uma doença. Por essas e outras coisas, acho que acabei me reprimindo cada vez mais, ao ponto de chegar a nem me conhecer.

Com dez anos de idade, eu já sabia bem quem era, e foi difícil admitir em voz alta porquê eu não queria ser rejeitada pela minha avó, como Adrian foi. Chorava todas as noites até pegar no sono, rezava pra Deus tirar isso do meu peito e me consertar.

Isso é tão fodido, eu digo, porquê somos apenas crianças tentando se encaixar em moldes alheios, e tudo isso pra que? Agradar a família?!

Eu sempre admirei Adrian nesse quesito, porquê ele teve peito pra chegar e assumir todas as consequências de ser quem ele é e sempre foi. O peso de viver com as expectativas e projeções do outro sobre os ombros é infernal.

Minha mãe foi a primeira a saber sobre minha sexualidade, e isso porquê praticamente fui obrigada a me assumir.

Quando uma vizinha do prédio em que morávamos na época me pegou beijando a filha do síndico, entrei em pânico. Foi aí que contei pra minha mãe, mesmo contra minha vontade, porquê eu queria que ela soubesse da minha boca, e não da de outras pessoas, sabe?

Ela não surtou nem nada, mas teve medo. A reação dele foi bem... Normal, eu acho. Quando contei, aos choros, sobre gostar muito mais de garotas do que garotos, minha mãe me olhou com a maior calmaria do mundo, esperou que meu choro cessasse, então perguntou;

Você já beijou garotas, Soojin?

Eu fui sincera e disse que sim. Quando me ouviu, ela perguntou se o mesmo havia acontecido com garotos. Falei que sim, e então ela ficou em silêncio. Eu esperei, esperei, esperei... E então, pra minha surpresa, ela se levantou do sofá de casa e sorriu pra mim, fazendo um sinal de zíper com o dedo selado na boca.

Seu segredo está guardado comigo.

E esteve mesmo, porquê ela nunca contou pro meu pai ou qualquer outra pessoa da nossa família. Mãe também não tocava no assunto, principalmente porquê eu odiava falar sobre aquilo. Odiava dizer a palavra lésbica.

Depois de completar quatorze anos, mudei drasticamente tudo em minha vida. Os meus vestidos foram substituídos por calças jeans, rebatia todo e qualquer comentário ofensivo de meus tios nos almoços de domingo e... E foi bem nessa época que conheci Gabriela, minha primeira paixonite.

Começamos a namorar muito rápido - mal de sapatão - e mesmo que tenha sido um namoro saudável, eu teria mudado isso. Se eu soubesse na época o que sei agora, jamais teria me permitido namorar assim tão cedo.

A chave da questão é que, mesmo não assumida, o pessoal lá de casa conhecia a Gabi porquê eu a levava em absolutamente todos os almoços de domingo. Vovó não gostava tanto, mas aos poucos ia aceitando, que nem os meus tios e tias. Já minha mãe, ela sempre amou a Gabi, igual o meu pai.

CODINOME BEIJA-FLOR Onde histórias criam vida. Descubra agora