Aquele da viagem.

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A primeira vez que admiti para mim mesma que era lésbica, eu chorei uma noite inteira.

É claro que quando você tem uma orientação sexual diferente do que é proposto pela sociedade, você meio que sabe desde o começo. Quer dizer, não é meio difícil de descobrir, o problema é admitir.

Tive vários amigos no Brasil que, assim como eu, sempre tiveram uma ideia sobre sua sexualidade - mesmo que mínima - mas estiveram em negação. É exatamente dessa forma que funciona, não para todo mundo, mas pra maioria das pessoas.

Pra mim foi desse jeito, e eu sofri com isso.

Negar quem você é de verdade, é a maior dureza. Você não se sente certo consigo mesmo, parece preso em uma realidade que não é a sua e mesmo que queira sair de qualquer maneira, é meio difícil. Ainda mais quando você cresce em uma família religiosa, que te ensina o que é certo e errado desde cedo.

Minha família paterna sempre foi católica fervorosa. Meu pai é que não seguia à risca as práticas religiosas, então na minha casa, com meus pais, foi um pouco mais leve.

Quando você tem pais que te apoiam, não importa o que, e sabe que eles vão estar do seu lado pra o que der e vier, as coisas se tornam um pouco mais suportáveis. Não mais leves, mas suportáveis.

Acho que, normalmente, o maior problema nem sempre está na aceitação de amigos e familiares. As vezes, tudo o que a gente precisa mesmo é da própria aceitação.

A ficha demorou a cair pra mim, porque eu me negava a sentir o que estava sentindo. Sabia que era errado, segundo os ensinamentos de meus avós, então eu meio que reprimi todo aquele sentimento pra dentro de mim, sabe?

Quando Freud disse que um dos maiores problemas da sociedade é reprimir sua própria sexualidade, ele não estava errado.

O dia em que eu disse em voz alta aquelas palavras, tudo pareceu finalmente fazer sentido na minha vida. E eu chorei pra caralho. Acho que passei uns dois ou três dias de luto por mim mesma, o que é bizarro pra caralho de se pensar. Na época, parecia estranho. Agora, não deixa de continuar sendo esquisito. Só que eu sei que precisava disso, entende?

Todo mundo tem seu processo de aceitação. Alguns demoram alguns dias. Semanas. Meses. Anos...?

E eu acho que tudo bem, porque é muito para se assimilar. Eu queria dizer que tudo fica bem e mais fácil no final, só que não fica, cara. Às vezes, um pouco menos doloroso, mas nunca mais fácil.

Eu não faço ideia do que caralhos aconteceu pro Damian aparecer de repente, com a cara ainda toda arrebentada, e simplesmente beijar o Dylan na frente da escola inteira.

Da escola inteira, porra!

Só sei que aconteceu. E mesmo que eu tivesse pedido que fosse uma miragem da minha cabeça querendo me pregar peças, não foi. Miyeon estava chocada, desesperada, surpresa. Soyeon só ficou lá, parada olhando a cena com uma expressão séria e curiosa. Como se já desconfiasse de algo. Coisa que eu não me surpreenderia, se esse fosse o caso.

Eu quase surtei, mas não tive tempo pra isso porque logo Damian puxava Dylan pra longe dali, sem pensar em dar explicações para ninguém.

Minha mãe, tão chocada e surpresa como todo mundo, tentou acalmar Sherman que estava tão vermelho que parecia que ia explodir a qualquer momento. Eu não sei o que aconteceu depois daquela cena ridícula de Damian na frente de todo mundo - incluindo Jacob e seus cachorrinhos - porque voltei pra casa sem me despedir de ninguém. Eu acho que só queria ficar sozinha, processando o que havia acontecido e tentando entender porque diabos Damian havia ganhado um excesso de coragem da noite pro dia, quando não havia feito nada em anos.

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