Hoje, quando acordo pela manhã, o céu está pintado de cinza e não há nenhum vestígio de você. Vivo sendo vítima das minhas recordações e angúsitas. Por isso, apenas imploro por um espaço em sua vida, mínimo que seja.
Abrir meu coração tem sido doloroso e sangrento, então deixe-me ser egoísta uma última vez?
Será que, por favor, você pode também sentir a minha falta? Posso pedir que não jogue nossos momentos, nossas músicas, nossos sorrisos, e mesmo nossas cicatrizes, ao relento? Será que posso ser egoísta ao pedir que, quando for me esquecer de vez, ao menos mande um sinal de fumaça para eu saber que lembrou de mim antes de me esquecer?
- Senhorita Bastien? - há um segundo de silêncio na sala em contraste ao som barulhento do ar condicionado. - Senhorita Bastien...?
A cadeira não é desconfortável e muito menos o ambiente. Muito pelo contrário, na verdade! Não vejo motivos concretos por eu me sentir assim tão incomodada, mas talvez tenha a ver com a minha possível obrigatoriedade de sair de minha zona de conforto.
Seguro o caderninho sobre minhas coxas, acho que eu havia esticado um pouco porque, puxa vida, a saia estava um pouco pequena de comprimento. Inconscientemente, puxo a bainha da saia para baixo, apertando o lápis amarelo entre os indicadores. O barulho do ar condicionado me faz torcer o nariz e os ponteiros do relógio são irritantes.
Risco mais algumas palavras no caderno, traçando as linhas amor e egoísta.
- Shuhua, querida, está me ouvindo?
É quando ergo a cabeça ao ser chamada, encontrando o rosto de senhorita Mônica inclinado em minha direção, que volto para a realidade. Há uma espécie de diversão em seus olhos e a boca se ergue para cima em um espasmo que me parece ser um sorriso, mas não tenho certeza. Tenho trabalhado bastante essa coisa de emoção com ela e minha Soojinnie.
- Ahm...O que a senhorita disse? - balancei a cabeça. - Desculpa, eu não escutei.
Ela soltou uma risada compreensiva, deslizando a cabeça para cima e para baixo em afirmação. Senhorita Mônica vinha sendo minha psicóloga desde o finalzinho do segundo ano, que foi quando recebi meu diagnóstico de TEA, e mesmo agora, quando estou prestes a deixar a Holistic, parece que há um vazio em meu peito pois não quero nem saber de procurar por outra psicóloga.
Desvio os olhos para o relógio acima de sua cabeça, onde os ponteiros batem em um som bem chatinho mesmo. Já havíamos conversado sobre isso, e nas primeiras sessões senhorita Mônica foi compreensiva ao ponto de tirar o relógio quando eu entrava em sua sala. Mas depois de um tempo, ela disse que eu deveria começar a me acostumar com as coisas que não podem ser mudadas e desde então estamos trabalhando nisso.
- Talvez da próxima vez seja mais adequado deixar seu caderno de escritas no dormitório, minha querida.
Eu sigo seu olhar para o caderninho com a figura do Snoopy e Lacan na capa, foi minha Soojinnie quem costumizou e fico muito orgulhosa de exibi-lo. Somente a capa, não o conteúdo que tem aqui dentro!
Comecei a escrever coisas aleatórias quando senhorita Mônica me disse que seria bom, como uma forma de desestressar. Como Soojin tinha a pintura, Soyeon a música e Yuqi... Bem, os cochilos, eu tinha a escrita.
- Está bem. - eu disse a ela, escondendo o lápis dentro do caderno. - Desculpa, senhorita Mônica.
Ela sorri com os lábios fechados.
- Podemos falar como você tem se sentido com a mudança?
Eu sempre soube que, em algum momento, deixaríamos a Holistic Institute, mas o fato de estar longe demais para isso quando entrei me acalmava. Agora, justo quando firmei amizades e criei laços não somente com os alunos, mas os professores e funcionários também, eu teria que deixar esse lugar que me serviu de lar por quase dois anos.
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CODINOME BEIJA-FLOR
Teen FictionShuhua é a filha renegada do magnata francês Pierre Bastien e seu sobrenome é tão importante quanto os negócios da família, que consiste na empresa de tabacos mais famosa de toda França. Financeiramente, ela não precisa de nada. Mas isso não parece...