Aquele da expulsão de Jacob.

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Antes de se envolver na empresa de tabacaria de meu avô ao lado de papai, tia Lottie queria ser uma modelo.

Foram raríssimas as vezes que demonstrou descontentamento sobre sua profissão atual, mas eu sempre soube que tia Lottie queria ser uma modelo.

Mas, claro, essa ideia não surgiu do nada. Tia Lottie tinha uma grande inspiração, para começo de conversa, uma referência a quem se apoiar aos longos dos anos.

Agnoletto, era seu nome. Uma modelo mundialmente famosa, coberta pela fama e por milhões. A moda nunca foi realmente algo que me interessou muito, mas depois de conhecê-la, procurei um pouco mais sobre a grande inspiração de tia Lottie.

Senhorita Agnoletto disse, em uma de suas milhares de entrevistas; todas as pessoas precisam de referências para saber onde estão em suas vidas. Para saber o que fazer, o que dizer, como se portar.

Uma referência nos alivia, porque nos faz sentir que não estamos sozinhos no mundo. Nisso, Agnoletto tem razão. Referências são como coordenadas que te localizam no espaço; eles te dizem quem você é e onde você está. As referências são, na verdade, comportamentos a serem imitados.

Esse é o problema das referências; elas se tornam um ideal muito difícil de se alcançar. Um espelho no qual você sempre parece feio e diferente.

É exatamente por isso que estamos frequentemente cheios de ideias de como deveríamos ser. Uma referência é preenchido com um deveria. A verdade é que uma referência te enche de preconceitos, com uma única forma de ver a vida.

Uma referência é aquele fantasma perfeito, impossível de alcançar.

Cresci sem referências confiáveis. O resultado dessa orfandade é a construção de um ideal implacável, impossível de alcançar.

O ser humano acredita que carrega o peso da aparência dos outros, mas isso não é verdade, porque o olhar mais cruel é o olhar de si mesmo. Aquele que todos os dias te diz o quão pouco você vale.

Comparados à esses ideais, somos todos imperfeitos. Comparados ao nada, somos todos perfeitos. Os seres humanos crescem comparando-se com os outros, mas a singularidade da vida é como nenhuma outra.

Mas o ideal é tão severo que te diz que você vale tão pouco que não deveria ao menos existir.

Eu não quero mais parecer tão diferente e distante das outra pessoas, só por conta desses ideais.

Sentada ao lado de tia Lottie nas cadeiras de espera da sala de senhorita Mônica, vejo o quão nervosa minha tia está. Por alguma razão que não sei qual, ela não para de balançar as pernas e roer as unhas, soltando sorrisos nervosos toda vez que me pega encarando.

É engraçado, na verdade. Quem deveria estar nervosa, sou eu e não ela. Mas tia Lottie não parece seguir essa lógica, de qualquer forma.

É cedo, as aulas já começaram, mas fui dispensada de todas as da manhã apenas para ter essa conversa com senhorita Mônica. Por isso, eu sei que é algo realmente importante.

Quando a porta se abre, revelando a figura calma e sorridente de senhorita Mônica, eu me sinto um pouco mais segura. Tia Lottie e eu caminhamos juntas para sua sala, vejo a forma como ela tenta parecer descontraída quando, na verdade, está tremendo.

Senhorita Mônica se senta de frente para a gente, sorrindo como sempre.

- Meu nome é Mônica, é um prazer conhecê-la. Shuhua fala muito sobre você, sabia?

Minha tia solta uma risada esquisita, apertando a mão de senhorita Mônica logo depois.

- Charlotte. - ela diz depois de um tempo, franzindo a testa. - Mas pode me chamar de Lottie. Por favor, me chame de Lottie.

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