Capítulo 32 - Uma delícia e um horror

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Uma delícia e um horror

Isabela

— Lô, você rabiscou ele todinho! — arqueei minhas sobrancelhas enquanto passava as páginas de A Maldição do Titã com horror — como é que eu vou devolver o livro assim? Era emprestado!

Escutei um apito e o ignorei, porque eu estava muito mais interessada em assistir a cara de pau de Lorena Martinelli fingir que não havia entendido o que tinha de errado ali, mesmo que um sorrisinho conhecedor brincasse com os cantos dos seus lábios.

— Ah, por favor, Belinha, o Golden ama nossas interações. Aposto que ele vai até emoldurar por ter minha letra de tão linda que é. Eu sabia que meus anos de caligrafia não eram apenas para aumentar minha revolta interior — Bateu seus cílios sem rímel e eu acertei seu braço com o livro — ah, bater pode, mas escrever não? Cadê a coerência nisso?

— Primeiro: — Levantei o dedo médio quando ela me olhou. Recebi uma risada abafada da minha amiga pelo xingamento implícito — vou ter que comprar um novo para ele depois dessa. Segundo: — levantei o indicador como uma pessoa normal — você era o melhor tipo de criança revoltada que poderia existir.

— Eu era um demônio! — Defendeu o seu caso e eu rolei meus olhos, desacreditada.

— Lola, ser revoltada para você era ler um livro com lanterna depois do toque de recolher, vai ter que trabalhar melhor esse argumento — Pontuei sem me abalar, porque ela era uma criança quietinha e em algum momento no meio da puberdade, algo deu errado e sim ela endemoniou.

— Acho que tudo o que eu fui boazinha no começo e depois inverti, mas nem tanto, porque hoje em dia meus níveis de revolta se resumem a me enrolar na referência bibliográfica da minha tese por umas boas semanas. Mas, claro, sempre encontro um tempinho livre para o Percy. — Ela piscou para o livro que estava em minhas mãos e eu meneei minha cabeça com um sorriso nos lábios.

— E como está? Faz tempo que você não faz uma promessa coletiva de não comer chocolate, então eu pensei que as coisas estavam indo bem. — Fechei o livro que estava no meu colo, tomando cuidado para marcar a página que eu estava lendo com um recibo, porque estava sem marca-página.

Lorena deu de ombros. Levantei uma sobrancelha. Ela desviou o olhar. Levantei a outra. Um grito chamou nossa atenção, mas foi só a técnica dando instruções para alguém. Então Lola suspirou e se virou para mim de novo, ignorando que o jogo estava acontecendo na nossa frente no pior zero a zero que eu já havia presenciado.

Eu amava Lorena Martinelli, mas, em dias como o de hoje, eu questionava se eu não a amava demais, porque eu preferia estar catalogando processos do que assistindo um jogo de futebol feminino, mas cá estava eu, reafirmando meus sentimentos unilaterais, pelo jeito.

O estádio estava quase vazio, consistindo por nós duas, alguns familiares apoiadores e um bando de pessoas perdidas que estavam torcendo para a bola.

— Eu meio que já tinha que ter entregado, mas pedi uma extensão de prazo — confessou e eu senti meu queixo caindo com a notícia. — Não, eu não estou amando tanto assim o projeto para querer passar mais tempo com ele, mas eu não estou satisfeita. Meu trabalho está bancando esse mestrado e eu não queria entregar um resultado ruim, porém parece que minha pesquisa inteira é uma prova de conceito de que a tese está errada, então...

— Lô — Segurei suas mãos entre as minhas, porém paramos para observar uma jogadora cobrar um escanteio tão errado que eu senti pena da coitada e de como todo mundo foi consolá-la por isolar a bola para o outro lado. Voltei a atenção para minha amiga —, você sabe que toda a moral de uma prova de conceito é descobrir se a sua tese funciona ou não, certo?

A Bela e o GoldenOnde histórias criam vida. Descubra agora