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Com o passar das semanas fui recuperando meu psicológico, o que repercutiu numa gradativa diminuição do uso de entorpecentes. Essa diminuição devia-se também a alguns receios. Porque se a comissão da qual Márcia participava ganhasse forças, seria questão de tempo até chegarem a mim como a principal suspeita por eventuais furtos de quetamina da farmácia.
Do outro lado — e, por assim dizer, na contramão— Júlio aparentava não estar muito bem, com um humor irritadiço e difícil de lidar nos últimos dias.
Em uma das noites que cheguei mais cedo em casa do plantão, tive a oportunidade de ouvi-lo aos gritos pelo telefone, em um completo desespero enquanto chorava. Eu permanecia aos pés da janela no quintal vendo tudo sem que ele me percebesse.
Victoria era a provável pessoa do outro lado da linha.
Quando notei que Júlio se recompunha após a discussão ao celular, decidi entrar como se não soubesse de nada.
Ele me olhou e sorriu forçadamente, tentando esconder seu mau-humor. Júlio não imaginava que eu descobrira sua traição.
Antes de ir ao quarto de Sofia, eu o cumprimentei com um "boa noite", mas não esperava pela resposta. E de fato não houve.
O que me deixou completamente atordoada foi abrir a porta do quarto da minha filha e não encontrá-la lá. Fazia dois dias que Hilda levara Sofia sem nem ao menos me consultar.
— Júlio — eu o procurava pelos cômodos com certo desespero — Sua mãe não trouxe a Sofi de volta ainda? — Indaguei ao encontrá-lo deitado no nosso quarto.
— Não. Ela vai ficar mais um tempo com a minha mãe. — sua entonação era completamente seca.
— Como assim? Ninguém me disse nada! Eu tenho o direito de decidir se ela pode passar todo esse tempo fora de casa ou não, Júlio!— Estava nervosa e impaciente. Caminhava para lá e para cá.
— E você acha que está em condições de decidir algo? Acredita que seus comportamentos são de uma mãe que consegue cuidar de uma criança como a Sofi?
— Não estou te entendendo, Júlio — Eu já tinha os olhos tomados de lágrimas — Quero minha filha aqui! Agora! — Gritei furiosa.
Ele repuxou os lábios.
— Se você não fosse a porra de uma viciada, ela estaria aqui, Aura! Você nem se preocupa mais em esconder! O que você quer, an? Que a Sofi abra o forno e encontre a porra de um pó branco e brinque com isso????
Júlio finalmente também explodiu. Calculei que a discussão dele com Vick inflamava seus nervos e que Talvez não fosse a mim que ele quisesse ferir naquele momento.
Porém, de todo modo, me atingiu.
—Você sabe que eu tenho me esforçado e diminuí muito o uso... Não seja injusto comigo, Júlio! Não tire minha filha de mim, caramba!!!
— Diminuiu agora, não é? — Julio suspirou — E nao! Não tem sido suficiente, Aura! Que droga! Há três semanas Sofia te encontrou desacordada no banheiro com o chuveiro ligado. Como você acha que nossa filha reagiu, hein? Imagina??
— Quem te disse isso??? — Eu fungava engolindo lágrimas.
— A sofia contou pra minha mãe, merda! O que você quer, Aura? Que o conselho tutelar baixe aqui, an? Que percamos a guarda da nossa filha, caramba? Por que é o que vai acontecer se você transformar nossa casa em uma Cracolândia de merda!
Meu sangue fervia pelas veias. Estava tão quente que não consegui me conter como quase sempre fazia.
— Não fale comigo desse jeito, seu frustrado do caralho! Não desconte em mim a porra das suas frustrações dessa vida de merda que você leva! E não use Sofi para me atingir! — Eu gritava cada palavra que saia da minha boca.
Júlio ria com um completo nervoso estampado em cada músculo da face. Se pudesse, tenho toda a certeza de que ele me enforcaria ali mesmo.
— Você é louca, Aura! Completamente maluca! Pra mim já deu, caralho! — E saiu do quarto batendo a porta com muita força.
Eu baixei os olhos me sentindo no fundo do poço. Deveria ter falado sobre as traições, confrontar meu marido traidor, porque se por um lado ele tinha razão a respeito do vício, por outro a infidelidade de Júlio funcionava como um catalisador para me levar ao uso das drogas novamente.
Era uma angústia inexplicável aquilo tudo acontecer, minha vida em ruínas.
A maneira como as palavras se acumulavam na minha garganta era horrível! Elas iam se entelaçando num embaraço doloroso, até formarem um nó. Um nó na garganta, um nó muito bem amarrado e capaz de sufocar.
Sequei as lágrimas do rosto com o dorso na mão e então notei que Júlio deixara seu telefone no quarto ao sair.
Há tempos que não mexia no celular dele, mas a curiosidade por saber sobre o que discutiam me fez pegar o aparelho. O que o irritou ao ponto de explodir comigo daquela maneira? Era mesmo por causa de Vick?
Júlio nem mesmo fez questão de mudar a senha, pensava.
E no final das contas, eu não sabia se agradecia ou me arrependia por esse gesto. Pois pelo teor das mensagens ficou claro o motivo do desentendimento: Júlio dizia para Victoria que queria ficar com ela e tomar a guarda de Sofia quando pedisse o divórcio, o que provavelmente seria em breve. Mas Vick pareceu nao gostar da ideia e começou a ignorá-lo.
A conversa termina apenas com o resgitstro da chamada que Júlio fizera para Vick havia minutos.
Rolei a conversa para cima até encontrar um trecho de mensagens onde Júlio perguntava por que Vick escolhera Atos, por que razão aceitara namorar o advogado mesmo sabendo de todos os sentimentos que aparentemente havia entra ela é Júlio.
Vick dizia que estava com Atos apenas por dinheiro e que quando Júlio se separasse de mim, certamente deixaria o atual namorado a ver navios.
Isso, claro, até Vick saber que os planos dela deveriam incluir não apenas meu marido, como Sofia também.
E pelo visto, os planos do meu marido estavam azedando mais que leite deixado fora do freezer.
Aquele filho da puta além de um traidor queria tirar minha filha de mim. Isso me deixou destruída.
Deitei na cama em posição fetal e fiquei chorando por horas, me sentindo completamente só, incapaz de reagir.
Até pensei em usar o restante de quetamina que havia em meu carro, mas me mantive forte. Resisti até o último segundo. Era por Sofi. Eu precisava ser forte por causa dela.
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APENAS UM TRAIDOR - ALERTA!
Mystery / ThrillerAura, Vick e Hanna são amigas de longa data. Trabalham como médicas em um hospital. As três parecem inseparáveis. Mas tudo pode mudar quando o marido de Aura passa a trai-la com alguém mais próximo do que a médica gostaria. Além de lidar com a c...