~*~
A sala do detetive Andrades cheirava a nicotina velha e mofo. Isso destoava grandemente do restante do prédio da polícia, que apesar de público, tinha uma fachada de arquitetura moderna e por dentro a decoração não deixava a desejar.
O detetive entrou mascando um chiclete e foi puxando uma cadeira de frente pra mim após pendurar sua jaqueta no encosto. Me olhou e sorriu forçadamente, se tratando de um cumprimento social.
Estava um calor infernal no Rio de Janeiro e não entendia o porquê da jaqueta dele.
— Ruim, não é? — Andrades quebrou o silêncio enquanto abria uma pasta cheia de papeis.
— Sobre o que esta falando, detetive? — Perguntei pensando que ele poderia escrever em um computador e não à mão.
— O cheiro da minha sala! Eu percebi seu incômodo, Aura — Ele olhava ao redor analisando o ambiente.
Andrades não me olhou mais . Apenas escrevia algo em uma folha em branco. Mas sua pergunta ainda estava lá para eu responder, sobre sua sala.
Será que eu já deveria começar mentindo sobre o óbvio? Que a sala dele tinha um odor desgradável.
— Talvez um pouco. O Estado não deve se preocupar e reformar uma sala como essa — Observei.
— Aí que se engana — Sorria de maneira presunçosa — Eu que decidi não reformar. Peguei a verba que o Estado mandou e investi em aparelhagem para a polícia desta delegacia — Outra pausa para escrever sabe-se lá o que — Alem disso, acho que esse cheiro desse lugar incomoda tanto que as pessoas acabam dizendo tudo que sabem apenas para se verem livres do ambiente o mais depressa. É um instrumento que eu tenho.
Andrades desviou o olhar do papel em que escrevia e me mirou. Transmitia um ar de que talvez eu fosse tão suspeita quanto Vick. Ou ele estava querendo me deixar instável para que eu não mentisse, ou não acobertasse minnha melhor amiga.
Pelo visto o cheiro ruim de sua sala não era a única tática para causar incômodo.
— Já matou alguém antes? — Andrades deixou a caneta de lado e cruzou os dedos das mãos, me fitando de maneira seria.
— Desculpe, não entendi! — Disse desconcertada.
Ele ficou em silêncio e eu franzi o cenho de leve.
Claro que eu havia compreendido a pergunta. Apenas não assimilava ao propósito do questionamento.
— Se já matou alguém, oras! — Repetiu relaxando na cadeira — Já? Já matou alguém?
Um pigarro saiu quase de maneira espontânea pela garganta. Ele conseguira me incomodar logo na primeira pergunta.
— Não, nunca matei quem quer que fosse, detetive.
Andrades manteve-se inexpressivo diante da minha resposta.
— Mas Já sentiu vontade? An?
Eu o encarei tentando não vacilar. Talvez já tivesse passado pela minha cabeça dar um tiro em Júlio no dia em que ele me empurrou e eu caí no chão com a Sofia no colo. Ou quando descobri sua tradição. Mas nada além daquilo.
— Raiva já senti muita, detetive. Mas ainda não cheguei ao ponto de quer tirar a vida de um ser humano. Disso eu estou certa!
Houve mais silêncio. O silêncio causa incômodo e tudo tinha esse propósito ali naquele lugar. Então deveria confrontá-lo de maneira velada. Homens têm a mania de se acharem superiores a mulheres, ainda mais Andrades, um homem em situação de poder.
VOCÊ ESTÁ LENDO
APENAS UM TRAIDOR - ALERTA!
Misterio / SuspensoAura, Vick e Hanna são amigas de longa data. Trabalham como médicas em um hospital. As três parecem inseparáveis. Mas tudo pode mudar quando o marido de Aura passa a trai-la com alguém mais próximo do que a médica gostaria. Além de lidar com a c...