MIL CAIRÃO AO TEU LADO. DEZ MIL A TUA DIREITA. MAS TU NÃO SERÁS ATINGIDO.

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~*~

Se existe uma frase a qual me apeguei é " Um dia pós o outro, não há nada que dure para sempre", ou então todos os versos do capítulo três contidos no livro bíblico de Eclesiastes. Eu amava essa passagem bíblica.

E era isso que eu pensava naqueles dias que iam passando, afinal de contas, enquanto Júlio parecia se afundar em uma depressão sem fim, eu renascia feito uma fênix gloriosa. Uma fênix que emergia  das profundezas da dependência química.

E, com isso,  eu já não baixava a cabeça para os desmandos de Júlio e nem fingia suportar seus modos inconvenientes.

A nossa tensão ficou ainda pior a medida em que eu tinha mais certeza  do divórcio e dos esforços que Júlio vinha mantendo para ficar com a guarda de Sofi.

— Papai não vem para casa mais? — Sofia almoçava de frente para mim em um sábado.

Júlio havia decidido passar uns dias na casa da mãe dele. Alegou que precisava esfriar a cabeça. Eu não me opus. Eu também precisava pensar em uma saída caso nosso casamento fosse arruinado por um divórcio.

— Ele está passando uns dias na casa da vovó, meu bem. Podemos ligar para ele mais tarde se quiser.

— De chamada de vídeo, mãe? — Me perguntava toda fofa.

Eu assenti com um sorriso.

— Sim, de vídeo. Mas coma tudo antes, está bem?

Ela balançava os pés toda ansiosa pra poder falar com Júio.

— Eu vou ver o papai, eu vou ver o papai, eu vou ver o papai — Entoava em uma meodia inventada e empolgante.

Porém, após o almoço, ligamos e  Júlio não atendeu, o que deixou Sofia visivelmente chateada. Foi de partir o coração.

— O papai não quer falar comigo? — Sofia me olhava em completo desânimo.

— Claro que não, Sofi! Que bobagem! Ele só deve estar ocupado! — A peguei no colo e beijei seu rosto — Fica tranquila que depois tentamos ligar novamente! Mas que tal a gente brincar com suas bonecas agora, an? O que acha?

Sofia logo mudou de feição e disparou em direção ao quarto para buscar seus brinquedos.

~*~

— Ela está sentindo sua falta, Júlio. Venha vê-la ou atenda a porra de celular! — Eu falava com ele pelo telefone, explosiva como poucas vezes agi.

— Eu não estou bem, Aura. Não quero que nossa filha me veja assim, caramba!

Respirei fundo, tentando conter minha irritação. Júlio precisava entender que o mundo não girava ao entorno do umbigo medíocre dele.

— Ok. Você já está tomando seus remédios? A depressão melhorou, querido?

Júlio estava com ansiedade e depressão. O psiquiatra havia prescrito sertralina pela manhã. Mas pelo visto não funcionava.

— Estou melhor, Aura. A medida do possível, mas estou! — Ele suspirou — E devo pasar aí nesse final de semana. Precisamos conversar. Aí eu aproveito e vejo a Sofi!

Eu gelei. Provável que seria sobre divórcio. E consequentemente estaria declarada nossa guerra pela tutela de Sofia.

— Conversar  sobre o quê? Não me deixe ansiosa — Eu fingia um sorriso calmo, mas era puro desespero.

— Você deve imaginar o assunto, Aura! Mas quero falar pessoalemnte. A gente precisa resolver essa situação de uma vez por todas! Ninguém tá feliz com as coisas que vêm acontecendo!

Será que ele e Vick haviam se acertado?

— Tudo bem então, como quiser. Mas de todo modo, não deixe de vir ver Sofia. Ela está esperando por você, Júlio.

Outro  suspiro exausto dele.

— Fique tranquila que vou aparecer como já disse. Nesse fim de semana passo aí. Tchau, Aura!

— Até breve, Júlio!

Eu passei o dia todo pensando naquilo. Me corroia a remota possibilidade de Júlio tirar a guarda de Sofia e talvez fosse aquilo que ele estivesse prestes a fazer.

Pelo instagram de Vick eu constatava que ela e Atos aparentavam estar vivendo um mar de rosas, inclusive estavam em viagem por Petrópolis no melhor estilo romântico.

Ela e Júlio não haviam reatado como eu poderia supor. Quem sabe fosse dor de cotovelo a razão daquela depressão que Júlio sofria nas últimas semana?. Será?

Seria preciso fazer algo o mais rápido possível, já que eu não previa o divórcio nesse curto prazo de tempo. Muito menos uma disputa tutelar.

Aquele idiota do Júlio não ia tirar de mim a filha que eu gerei por nove meses, que eu amamentei até os dois anos. Eu havia passado noites em claro por conta de Sofia, eu que frequentei as reuniões da escola, que levava ao médico. Não seria  justo, não mesmo!

Era uma certeza que  Júlio usaria meu histórico de dependência química para alegar uma eventual incapacidade minha de cuidar de uma criança como nossa filha.

Eu apenas precisava pensar — e depressa — em como me livrar de Júlio. E não simplesmente afastá-lo de maneira temporária. Teria que ser algo por definitivo. Eu precisaria destruí-lo.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo celular vibrando na bancada de mármore da copa. Era chefe da equipe de enfermagem do hospital que me ligava.

— Aura, como está?

— Bem, Cíntia! E você? Aconteceu algo aí na unidade?

— Então, uma pequena questão no quadro de funcionários. Eu tentei contato com o diretor médico, mas ele não responde. Então só sobrou  você, que é a subchefe. Mil desculpas.

— Que isso, Cíntia . Pode falar. Qual foi o problema?

Por ser subchefe da unidade, eu respondia quando Arthur, o diretor médico, se ausentava.

— Nada grave. É que a unidade está cheia de pacientes hoje e a Márcia precisou sair. Aí queria saber se posso acionar um plantonista extra — um com pagamento a vista e que possa substituir Márcia. Mas não posso fazer isso sem autorização da direção.

— O que aconteceu com a Márcia?

— Ah, ela estava com a pressão bem alta e sentindo um pouco de falta de ar. Aí deixamos ela no pronto socorro adulto. Mas parece que está tudo bem agora. Porém eu vou dispensa-la para casa.

Eu sorri. Ao menos uma coisa parecia ir bem para mim.

— Pode chamar outro plantonista sim. Vou avisar a tesoureira para liberar o pagamento ao final do plantão, Cintia. Mais alguma coisa?

— Nao, somente isso. Obrigada, Aura. Bom final de semana!

— Pra você também! Abraços!

Pelo visto em breve eu teria um inimigo a menos.

Só me restaria Júlio.

APENAS UM TRAIDOR - ALERTA! Onde histórias criam vida. Descubra agora