UM HOMEM MORTO INCOMODA MUITA GENTE. DOIS INCOMODAM MUITO MAIS?

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O restante do dia passei com Vick no apartamento dela em Botafogo, não tive coragem de deixá-la sozinha após o incidente.

— Querida, você precisa comer algo! — Estava sentada de frente para Vick a mesa.

— Eu não estou com fome, Aura — Ela me olhou com os olhos marejados — Nem um pingo de apetite — Depois Vick ergueu os olhos até mim — Você acha que eu seria uma suspeita da morte dele?

Me sentei ao lado dela e afaguei sua bochecha. Há momentos que o que pensamos não precisa ser dito.

— Claro que não, meu bem! Não pense nisso agora, sim? — Eu sorria gentilmente — Até por que nós ainda nem sabemos se de fato ele morreu por causa naatural ou não. É bobagem gastar energia pensando nisso.

Vick fungou engolindo algumas lágrimas.

— Eu perescrevia anabolizantes pra ele, Aura... Há alguns meses. Estou receosa de que tenha sido efeito colateral desses asteroides.

Essa declaração de Victoria caiu como uma bomba em meus ouvidos.

— Como assim? Ele tinha deficiência hormonal ou coisa do tipo? — perguntava tentando conter uma certa reprovação na minha fala.

— Não, Atos era completamente saudável. Prescrevia para hipertrofia muscular. Ele ficou insistindo e acabei cedendo. Fui uma irresponsável! Ai, meu Deus! — O murmúrio dela era baixo e cheio de remorso.

Era péssimo isso, péssimo. Com toda certeza era uma ação que poderia comprometer Vick, ainda mais como médica.

— Amiga do céu, que ideia ruim essa. Não foi bom ter prescrito isso sem uma bela indicação — Eu tentei me conter, mas não pude deixar de observar o erro.

— E ainda por cima não sou endócrino, eu estou ferrada, Aura. Ferrada com F maiúsculo !!  — E outra vez berrava num choro desesperado — O que eu estava pensando?

— Shhhh, calma, calma! Nem sabemos se foi essa a causa do óbito. É muito cedo para presumirmos qualquer coisa — Massageei a mão dela — Ainda tem muitas coisas para acontecer. E outra, não parecia uma hepatite fulminante. Acho pouco provável que tenham sido os asteroides a causa do óbito.

E de fato meu raciocínio levava a pensar assim. Porém, certamente a prescrição mas indicada de Vick poderia colocá-la no olho do furacão.

Uma prescrição sem indicação viável poderia comprometê-la com a polícia, por imprudência ou imperícia. Até pensei em perguntar se ela se atentou pedindo exames de fígado, mas evitei para nao deixála mais atordoada caso sua resposta fosse um "não"  — o que eu já esperava que fosse.

— Bem, Vick, vou preparar algo para você comer. Um macarrão com molho branco, o que acha?

Ela sorriu.

— Só se for para você, porque eu não estou com fome. Será uma perda do seu tempo, Aura.

Me levantava da mesa.

— Nada disso, Vick. Nem se for um misto quente ou um pedaço de pão. Quer ter uma gastrite? Uma úlcera? — Exagerava — Você sabe que úlceras podem complicar, estourando dentro do abdôme. Aí vai sair ar do seu estômago para a cavidade abdominal, levando a um pneumoperitônio fodido. As bactérias do trato gastrintestinal se proliferam e... BOOM, peritonite — as risadas de Vick me interrompiam — E sabe, não é? Vão ter que abrir sua barriga de cima abaixo para melhorar o problema. Então...

— Chega, Aura. Chega. Eu vou comer, sua médica chantagista!!! — Cedia.

Mas não adiantou muita coisa, já que Vick ficou olhando para o sanduíche em sua frente, mordiscando pelas beiradas. Nem havia chegado na parte do presunto com queijo.

APENAS UM TRAIDOR - ALERTA! Onde histórias criam vida. Descubra agora