Supremacias

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As criaturas viravam os rostos como alguém míope tentando enxergar algo longe.
      Mesmo cegas, elas sentiam cheiro. E o cheiro de Ayla os deixavam confusos. Lá no fundo, reconhecem que esse cheiro é a prole deles. No final, talvez até os piores dos monstros possuem insisto paterno e materno.
      — Então era isso que estavam me escondendo — concluiu Ayla, a voz vazia e sombria por ter sido enganada. — Como ousaram.
      As criaturas gruíram alto.
      — Ayla... — começo, mas as criaturas gruíram de novo.
      Ela retira duas espadas pequenas das costas. Estava assustadoramente ameaçadora. As estrelas de sardas brilhantes e os olhos mais vermelhos do que de costume. As presas tão afiadas que a boca carnuda estava entreaberta em uma respiração controlada.
      Fodeu, observou as Sombras.
      Ayla seria capaz de nos matar por ter sido enganada? Tudo de si demonstra que sim. C.S parecia lamentar, mas pronto a morrer pela filha. Os irmãos também não parecem quererem lutar contra ela.
      Ayla solta um som estridente do fundo da garganta, a fúria entalada nas cordas vocais. Os sanguinários tamparam os ouvidos devido a perturbação. Olharam para Ayla e avançaram.
      Se eu não estivesse sangrando e machucado, ficaria perplexo com Ayla lutando como uma verdadeira sanguinária contra seus pais que agora não se importam mais com a prole.
      De relance vejo Theodoro e Sandro subirem as escadas de emergência para o andar superior. Mesmo ensanguentado, não penso duas vezes antes de ir atrás deles.
      Não irão fugir de mim.
      Vejo-os entrando em uma sala. Começo a chutar a porta violentamente até que ela caia no chão.
      Era outra sala grande de computadores. Estava escura e fria devido ao ar ligado. Farejo o ar e sinto os cheiros deles. Corro na direção. Entraram em um corredor e seguem caminho pelas escadarias mais para cima.
      Que patético, disse as Sombras, estão tentando fugir.
     Chego no saguão principal. Tudo está destruído devido as bombas. Soldados no chão compõe agora a decoração.
      — Pai! — grito por ele quando o vejo já na saída com Sandro. — Vamos acabar logo com isso.
      — Venha, Magnata — pediu Sandro puxando Theodoro para irem embora. — Temos que soar o alarme.
      Sandro é esperto demais. Já Theodoro age com impulsividade. Se conseguirem sair desse laboratório até então abandonado e soarem o alarme, em questão de minutos os soldados furtrucks chegarão em peso e eles vencem essa luta.
      — Não fuja como um rato medroso — digo enquanto vou caminhando até eles. — Por toda a minha vida você vem dizendo o que eu sou. Mas sabe o que você é? Um homem covarde que nunca teve coragem de demonstrar afeto porque quando o fez, a mulher que amava o largou por outro.
      Theodoro para no mesmo instante e tira as mãos de Sandro dele.
       — Moleque imprestável — disse Theodoro. — Eu deveria ter te matado junto com sua mãe naquela praça maldita.
      — E mesmo assim decidiu me criar — rio em escárnio. — E mesmo depois de tudo que já fiz, você ainda me ama como filhote.
      Theodoro trinca o maxilar.
      O amor de Theodoro machuca e mata, e foi o que fez comigo. Mas se ele realmente me odiasse, nunca existiria a opção de eu pedi perdão. Que na primeira traição ele me tiraria a cabeça. Theodoro é um monstro tenebroso que odeia o mundo, mas não odeia o filho. Ele é capaz de matar populações inteiras e tomar até mesmo o F.U.N.D.O só para me ter exclusivamente para si. O Magnata não suporta o fato de existir outras pessoas que eu me importe.
      — Você é meu amor mais cruel que eu poderia criar — confessou ele. — Mesmo depois de tudo, no fim você aceitou-me como seu pai.
      Não nego a vitória dele em realmente me convencer que é o meu pai. Mesmo tendo sido um miserável, esse desgraçado criou uma parte do que sou hoje, o monstro frio.
      Faço minhas garras surgirem e jogo em sua cara:
      — Seu maior amor será a sua ruína, Magnata Theodoro.
      Avanço.
      Theodoro avança em mim no mesmo momento, não dando tempo de Sandro o segurar.
      Me esquivo de um soco de Theodoro e acerto-lhe um soco no estômago. Ele me puxa pelos cabelos e soca-me a cara. Quando as Sombras conseguiram fechar os cortes da espada, elas me rodeiam como um escudo de escuridão.
       Theodoro exala supremacia e as garras parecem cortar minhas Sombras.
      O desgraçado é o Supremo do povo dele. Eu já imaginava que Magnata não fosse apenas um título ao líder de um grupo. É como a espécie se declara Suprema.
      Se Theodoro morrer, a supremacia dele vem para nós, observou as Sombras. Somos filho único de sangue.
      Ótimo! Mais uma supremacia para carregar nas costas, debocho.
      Henrique, se a supremacia dele vir para nós, continuou elas, é nosso dever proteger os furtrucks.
      Como Supremo furtruck, eu teria que carregar na pele a marca da supremacia furtruck, de um povo que matou sem piedade os Sytons.
      — Puta merda — deixo meus pensamentos falarem mais alto e acabo xingando em voz alta.
      Theodoro ri como se soubesse o que se passava em minha cabeça.
      — Vai herdar o povo que jurou odiar — disse ele. — Como Supremo Syton, matou seu povo. Como Supremo furtruck, pretende matar mais ainda. Sua supremacia vem a base de mortes e destruição. Você não é mais o Cruel, filho. Agora te batizo de Caos.
      O chuto como protesto de suas palavras.
     — Já deu dessa confusão — bravejou Sandro me apontando uma arma com seu braço robótico.
      Rosno para ele.
      — Sandro — digo seu nome com sonoridade monstruosa.
      Ele não estava para diálogos, simplesmente aperta o gatilho. Todas as minhas Sombras se formam a minha frente como escudo. A bala entra na escuridão e some. Isso me cansa mais do que três dias de caminhada.
     Ofego e caio no chão.
     Usar as Sombras toma todos os meus esforços.
     Sandro aponta novamente a arma para mim. Em questão de segundos, Vicente arranca-lhe o braço que sai óleo como sangue do braço robótico.
     — Lembra-se da minha promessa? — perguntou o syton.
     Vicente estava usando a espada da mãe.
      O cabo brilhava com dourado. A espada finalmente reconheceu o verdadeiro dono. O nome de Lys brilhava em azul claro e subia para a lâmina. Era o poder que Vicente precisava: da mãe.
      Entendi os nomes gravados no punhal. Todos os donos possuem, no final da vida, uma parte do seu poder interior entregue na espada. Por isso Lys dizia que quando pensava estar sozinho em uma batalha, era só conversar com a espada. De alguma forma, Lys está aqui. Está lutando com o filho dela.
      — O que apenas lembro é de um menino medroso — debochou Sandro.
      Vicente me ajuda a levantar e fica em posição de ataque fixando seu ódio apenas em Sandro.
      — Não se preocupe, vou relembrá-lo — foi o que meu melhor amigo disse antes de avançar.
     Encaro novamente Theodoro e parto para cima.
     Eu e Vicente lutávamos com aqueles que nos tiraram tudo. Usávamos todos os esforços. Mas eu e ele não somos mais crianças. Enfrentamos nossos medos.
     O agora reflete nós dois lutando como guerreiros sem medo de enfrentar a morte, mas os espelhos quebrados no chão parecia refletir duas crianças chorosas precisando serem salvas por seus protetores. Era um misto de emoções.
      A Noite Sem Fim começou a passar as horas, tornando-se agora uma noite com horas contadas para acabar.
     Não havia descanso. A sede matava a garganta e o sangue estava por toda parte. Eu apenas continuava. O prazer de vê Theodoro cansado e machucado me excitava em querer mais e mais matança.
     — Henrique! — gritou Davi de algum lugar. — Encontrei!
     Olhamos para o humano.
     Davi estava cansado e suado. Havia cortes que sangrava, mas o que chamava mais atenção era uma caixa de madeira em suas mãos.
     Davi encontrou o Núcleo nesse meio tempo que lutávamos.
      Minhas Sombras despertaram e rugiram em vingança. Tudo de mim queria pegar essa caixa e pisar nela até não existir mais na face da terra.
      O Núcleo é uma prisão para o poder Supremo dos Sanguinários.
      — Humano magricela de ossos fracos — bravejou Theodoro. — O que pretende fazer?
      — Eu? Nada! Mas ela pode fazer muita coisa. — Davi aponta para as escadas de emergência.
      Ayla estava lá.
      A sanguinária expelia dominância e poder.
      É ela, disse as Sombras. Ayla tem espírito de Suprema. Se ela pegar a caixa, pode sobreviver a transferência da supremacia e o poder oculto.
      Quando Sandro e Theodoro viram que estavam fodidos, correram de encontro a caixa. Eu vou atrás tentando impedir dele conseguir encostar. Vicente tenta impedir Sandro. Ayla vem ao encontro da caixa.
     Davi fica desamparado com todos indo atrás dele.
     Theodoro joga uma faca em Davi, que desvia e acaba derrubando a caixa. Quando Sandro ia pegar, faço com que minhas sombras trilhe o caminho e jogue a caixa para o outro lado do saguão. Ayla rosna pra mim em fúria por agora ter que voltar tudo de novo. 
     Corro mais rápido e consigo pegar a caixa. Assim que minha mão encosta na madeira, caio de joelhos no chão com a cabeça para cima gritando de dor.
      Eu sentia dor angustiante de perder a vida. Tudo ao meu redor tornou-se apenas lembranças de um passado trágico. Uma visão perturbadora que eu tive, e chorei ao vê-la.

     Era um campo de batalha.
     Meus olhos não conseguiram focar em uma criatura em específico. Eram espécies que nunca havia visto na vida, mas a espécie sanguinária estava em peso. Eram muitos. Eles estavam no chão jogados mortos e outros batalhando contra furtrucks, sytons, xags, vions, e tanto outros.
     É uma guerra sangrenta.
     O que mais me surpreendia eram as espécies monstruosas que demonstravam terem consciência.
     Há dois metros de mim estavam as áureas mais dominadoras de todo o C/E/F/F. As supremacias das espécies mais poderosas. Três delas hoje em dia não são vistas mais. Disseram que foram para longe desse plano terrestre. Para o espaço, deixando apenas os Sytons e furtrucks para batalharem por território.
     São eles:
     Supremo Syton.
     Supremo furtruck.
     Supremo Grep.
     Supremo Ashi.
     Supremo Raag.
     Havia outro ser. Esse ofuscava e parecia engolir com sua escuridão a supremacia dos demais Supremos. Todos estavam contra ele. Estavam ao redor do ser sombrio o prendendo com poderes tão impressionantes que formava uma caixa preta: o Núcleo.
     Um sanguinário macho machucado gritava em agonia ao vê seu Supremo sendo derrotado. As sardas eram de estrelas e sua áurea me lembrava Ayla e seus pais. Aquele é o antepassado de Ayla que lutou na guerra Sanguinária. Fora preso pelos Supremos. Mais do que um sanguinário qualquer. Era legal ao Supremo sombrio. O segundo da espécie com tanto poder.
      Vi o Supremo Sanguinário antes de ser preso dizer:
     “Eu te amo, minha preciosa escuridão. Vamos viver juntos em outra vida”.
      O macho sanguinário protetor era o amor do Supremo Sanguinário. Um amor infinito.
     Minhas sombras se remexeram. Esse amor nunca dissolveu. O Supremo nunca saberá que o amor da sua vida fora preso e obrigado a cruzar para ter prole para testes em um laboratório. O amor da vida do Supremo agora reina em sombras que circula Ayla.
      Em questão de segundos o cenário muda e lá estava eu novamente na sala do laboratório. Havia vários cientistas de branco e alguns nós computadores. Não era mais um lugar abandonado.
     Vejo uma criança de quatro anos parado olhando fixamente para a cela vidrosa. Havia sete sanguinários presos lá dentro, sendo dois deles os pais de Ayla. Estavam tão... Sofridos, mas havia muita consciência. Não eram animais irracionais.
      A criança ouve choro de bebê e corre ao som que o deixa curioso. As asinhas tão pequenas que dificultava sua corridinha pelos corredores. Chegando no local do choro, a porta da sala estava aberto e a criança entrou lá dentro.
      Havia três cientistas caídos no chão com lágrimas de sangue nos olhos. Estavam mortos. A criança curiosa subiu em cima de uma cadeira e viu um pequeno bebê choroso. Era uma menina tão pequena e linda. As sardinhas de estrelas brilhavam no céu negro que era a sua pele.
      Ele deu a mãozinha para o bebê e disse:
      — Não chora, eu tô aqui. Não precisa chorar.
      O bebê ia parando de chorar aos poucos e olhava com seus olhinhos vermelhos para o menino que o segurava a mão. Ela tava com fome, deduziu a criança.
      Em cima de uma mesinha tinha uma caixa de leite, frutas e curiosamente uma mamadeira de sangue. Ele percebeu que os cientistas estavam tentando da papa ao bebê, mas ela recusou a comer, como se eles quiserem mudar o paladar da pequena.
      O menino também havia visto uma caixa preta: O Núcleo.
      Ele desceu da cadeira e foi para a mesinha. Curioso demais com a caixa, ele pegaria ela para dá como brinquedo ao bebê e depois pegaria algo para ela comer, mas assim que seus pequenos dedos encontraram com a caixa, a sala berçário tornou-se preta rodeada de nevoeiros.
      Sua área é poderosa, jovem criança, havia sussurrado sombras no seu ouvido. Eu e você vamos recriar o mundo juntos.
      Tudo havia se tornado nada e tudo ao mesmo tempo. Quando a criança acordou, estava nos braços de uma bela mulher de cheiro de rosas. Ela chorava e gritava em desespero abalando o laboratório. Havia mais duas mulheres, uma estava cheia de autoridade e uniforme de soldado, e outra levava uma espada nas costas.
      As mulheres eram Gabriel e Lys. A mulher desesperada era Samantha. E o pequeno menino de quatro aos era o supriz Henrique:
      Eu.
     
     Volto a realidade. Tudo estava igual. Todos ainda vinham ao meu encontro. Para mim se passou um tempo, mas estive fora nem por um segundo.
      Então eu finalmente soube de onde vem meu poder sombrio.
      Sou também o Supremo Sanguinário.

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