— Se quer que eu foda com você, me trouxe no pior lugar de todos — brincou Leonardo, dando uma lambida no sorvete de casquinha dele.
Bufo e reviro os olhos pelo atrevimento dele.
— Se eu quisesse realmente foder você, não perderia tempo o trazendo em uma sorveteria, pode garantir — digo de forma intimidadora.
O que eu e Leonardo não temos, é interesse sexual um no outro, mas o entendo em provocar, já que eu o alarmei querendo sua presença.
O trouxe para minha sorveteria preferida da cidade, o qual foi fechada devido aos donos não terem pagado o aluguel. O lugar está vazio e todo sistema de segurança desligado, então é um lugar perfeito de conversar com Leonardo sem risco de sermos ouvidos, a não ser pelos meus Espectros que estão de aguarda nos assentos da bancada do comércio.
— Eu estava trabalhando quando solicitou minha presença, posso saber do porquê estou aqui tomando sorvete de morango com você? — perguntou Leonardo.
— Estava trabalhando com o quê?
— Com o que o Magnata me ordenou.
— Que seria..?
— Por que quer saber?
Leonardo cruzou as pernas e fitou-me. Notei um pequeno machucado em seu maxilar, mas já cicatrizava; fora isso, estava como da última vez que o vi. Agradeço que puxou a beleza da mãe, porque o pai não é hoje uma referência de beleza.
— Só queria ter algo para conversarmos. — Tento o enrolar.
Relaxei o corpo e começo a me deliciar com meu sorvete de copo. O napolitano é meu preferido, os três sabores juntos são melhores do que apenas um de cada vez.
— Sempre que eu quis conversar, você pedia para que eu tomasse meu rumo e o deixasse em paz — relembrou ele. — Agora quer me ouvir dizer sobre meu trabalho?
— Se não quer conversar, é só dizer invés de enrolar — reclamo. — Só queria ser legal, mas não dá certo.
— Ou, ou, ou, eu não disse isso — balançou as mãos no ar. — Só achei estranho. É que você nunca quer falar comigo por muito tempo.
— O que adianta eu falar algo se vai contar ao meu pai.
— Não sou um Espectro seu para relatar as coisas. — Leonardo franziu o cenho. Parecia chateado pela acusação. — Se quer conversar, então conversaremos. Mas saiba que eles — apoutou para meus Espectros — são o que irão relatar ao seu pai cada palavra que diga.
— O que meu pai irá fazer, me torturar? — soei como se não ligasse, embora meu corpo tenha ficado tenso. Não importa quantas vezes eu tenha sido torturado, nunca deixarei de me importar. — Pode contar o que quiser, deixe que meus Espectro lido eu.
— Você mudou — observou Leonardo. — O que aconteceu?
Muitas coisas, sussurrou as Sombras.
— Nada mudou — falei. — Como está o trabalho?
Leonardo estreitou os olhos, não acreditando em mim.
— Está mais trabalhoso do que antes. O Magnata quer colocar mais segurança nas fronteiras — disse Leonardo. — Ontem teve uma invasão de rebeldes.
Parei a colher de sorvete no ar.
— Sytons? — perguntei.
— Não sei dizer, estavam de capuz.
— Então eles escaparam ilesos — chego na conclusão. — O que atacaram?
— Não disse que atacaram, eu disse invadiram. — Leonardo morde sua casquinha e olha para mim cautelosamente. — Bati na porta do seu quarto ontem de noite para ir comigo atrás dos invasores, mas você não atendeu. Seu sono está pesado.
Não mudo meu semblante, já que ele pode reparar em alguma diferença.
— Não recebi nenhuma intimação do meu pai por não ter atendido a porta.
— Eu não contei pra ele que não foi comigo. — Arregalei um pouco os olhos. — Caso seu pai pergunte sobre a invasão, diga apenas que escaparam pela entrada norte do C.E.N.T.R.O.
Assinto com a cabeça.
— Sabe o motivo de invadirem? — pergunto.
Se Theodoro saber que eu não estava na ação, irá investigar o caso e descobrir tudo em pouco tempo. Quis agradecer a Leonardo por mentir, mas as palavras de agradecimento não saem de minha boca.
Esse é outro ponto que preciso perguntar aos meus Espectros, se esses rebeldes são mandados por eles, o que não faz sentido já que estamos trabalhando no sigilo e não queremos confusão.
— Não — admitiu. — Só entraram e picharam alguns prédios antes de serem vistos e o alarme soado.
— Tanto risco para fazer uma pichação — desaprovo a burrice dos rebeldes.
Leonardo olhou discretamente para trás, certificando que meus Espectros não vejam algumas imagens que retirou no bolso das calças.
— Já que estamos em uma conversa amistosa, sabe algo sobre isso? — sussurrou ele, me mostrando as imagens.
As fotos são de pichações com tinta preta. Alguns desenhos eram de um quadrado negro, outros nada passava de movimentos na parede dando impressão de ser nevoeiros, até mesmo sombras. O que me deixava surpreso eram as frases escritas.Ele tomará tudo que lhe fora tirado
Sangue se paga com sangue
A ascensão do Supremo
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— Que porra é essa? — Jogo as fotos que Leonardo me mostrou em cima da minha cama para que Vicente veja.
— Não temos nada a ver com isso — se defendeu. — Não nos jogue a culpa.
Após ver as fotos, não consegui mais ficar na presença de Leonardo, eu precisava gritar com uns Espectros filhos da puta. O dispensei e vim ao meu quarto, antes de Vicente entrar no quarto de vigia, o puxei até o meu e agora peço explicação.
— Acha mesmo que é apenas nós que odiamos o Magnata? — Vicente voltou a questionar, aumentando o tom de voz até finalmente gritar comigo. — Não sabe quantos deseja a morta dele e a ascensão do Supremo, mas mal sabem eles que a porra do Supremo estar morto.
Irrito-me mais pela acusação. As palavras mexeram com algo dentro de mim, ocasionando-me culpa extrema.
Ainda vivo, sussurrou as Sombras.
— Após diga a esses desgraçados que parem de lutar por uma causa perdida — informo cruelmente. — Espalhe ao mundo que o Supremo está morto.
Vicente chega mais perto.
— Acha que Theodoro já não informou? — Uma pergunta que o syton não esperava uma resposta, porque sabe que eu sei que o Magnata anunciou para todo o C/E/F/F que o Supremo não existe mais. — Agora me diz do porquê isso mexer tanto com você?
— Sabe exatamente o motivo.
— Estava errado — disse Vicente, uma esperança na voz de algo. — Henrique ainda resiste, mesmo depois de tudo. O Cruel não o matou.
— Não diga baboseiras — o repreendo.
— Por que luta para não aceitar quem realmente é? — Questionava-se Vicente. — Sua crueldade é apenas uma máscara para esconder o garoto que tenta resistir. Meu melhor amigo nunca perderia essa luta facilmente.
— Acha que foi fácil? — urro estressado, me aproximando e apontando o dedo na cara de Vicente. — Por meses dizer seu nome era o que me dava forças para suportar as torturas que faziam em mim. Mas onde você estava?
— Eu estou aqui — respondeu ele.
— Está aqui depois de anos. — Me aproximo tanto que estou a um palmo de distância dele. — Você não estava lá quando eu era chicoteado. Não estava lá quando era cortado em várias partes do corpo. Não estava lá quando me puseram em um poço úmido e escuro. Não me alimentou quando eu tinha fome. Não me deu água quando eu tinha sede.
— Eu... — a voz dele falhou.
— Mas Henrique só não cedeu antes porque ele mesmo se castigou. — Cheio de amargura e ódio, revelei: — Tudo isso foi um preço que ele quis pagar por ter matado a própria mãe.
Vicente arregalou os olhos e recuou um passo, surpreso.
As sombras me fizeram sentir o que o syton sentia: angústia.
— Você o quê? — perguntou, pasmo.
Antes que eu pudesse responder, a porta do meu quarto foi aberta.
Leonardo ainda segurava a maçaneta da porta, como se seus dedos estivessem colados nela. Seus olhos pacíficos fitaram Vicente, tentando o identificar. Por sorte, o manto ainda cobria o corpo do Syton, e os cabeços negros, embora curto, cobria as orelhas pontudas.
Como se nada pudesse piorar, elas pioram.
Beatriz estava do lado de Leonardo, só que ela não sabia para quem olhar, se para mim, Leonardo ou Vicente.
Agora fodeu, disse as Sombras, não em sussurro, em lamentação.

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Supremo Syton
FantasyHenrique tinha apenas 10 anos quando sua casa foi tomada e obrigado a ser o que ele nunca quis ser. Tornou-se o homem mais perigoso e temido pelos seus inimigos. Destinado a torturas e obediência ao seu pai, o Magnata, um sádico que o tortura se fi...