Eu contava animado a Lys sobre meus planos de diversão nas férias, que será daqui há duas semanas. Ela ouvia tudo com atenção enquanto dirigia e dava palpites, assim como Vicente que adicionava novas aventuras para fazermos.
Vejo Lys como algo a se admirar. Hoje ela conseguiu ter tempo de me buscar, já que vive vinte quatro horas ao lado da minha mãe Samantha, a protegendo. Seu filho ama ouvir como um protetor deve lealdade ao seu protegido, já que mesmo essa pessoa sendo forte, ele precisa ter poder o suficiente para proteger. Eu serei seu protegido. Será a mim que seu juramento de lealdade será feito. Carregará na pele a marca desse juramento, como Lys carrega.
Nas costas de Lys, bem na coluna, uma grande espada está gravada, sendo circulada por vigas espinhosas com rosas nelas. É uma mistura. A espada é símbolo de Lys, seu apego emocional. Essa espada é a mesma que carrega ao lado da cintura, a mesma espada que seu pai carregava e protegeu muitos com ela. No punhal está escrita o nome de todos que um dia já a empunhou como herança de vida, um descendente passado ao outro: Fabiana, Yan e Douglas, são os nomes escritos que é possível sabermos a origem, mas há tantos outros que me perco neles. Ao total, 50 nomes.
Lys já contou a história: a espada foi feita quando a magia pura era ainda uma benção no mundo, mas o tempo a dissipou, levando os humanos a sobreviverem com a magia feita por eles mesmo, a tecnologia. Há histórias de um mundo antes da destruição, com seres mágicos, mas já são histórias muito antigas para serem lembradas. Essa espada era de Fabiana, a mulher que liderou tropas na Guerra Sanguinária, destruindo seus inimigos com a lâmina. Depois foi passada ao seu aprendiz Yan, bisavô de Lys. Ele passou para Douglas, avó de Lys. Então, depois de aventuras perigosas no Ex.Te.R.N.O, Lys voltou empunhando a espada em mãos e disposta em ser a diferença. Seu avô morreu nos seus braços.
É uma espada mágica, umas das poucas que contém magia pura de um mundo esquecido a cada segundo que se passa. Ela brilha e solta fogo ardente, podendo cortar ou derreter qualquer coisa quando Lys a ativa. Fora a ativação, é uma espada afiada como qualquer outra. Mas Lys faz questão de treinar com a espada soltando chamas. Ela já a gravou na terra e abriu pequenas crateras. Vicente é fascinado por essa espada e admito que eu também.
As vigas espinhosas com rosas, que circulam a espada que compõem a tatuagem de Lys, são referentes a minha mãe Samantha que ama rosas, mas quando estão nas vigas com os espinhos. Ela diz que a delicadeza é uma ilusão aos brutos que escondem a fragilidade. Ser delicado não é sinônimo de franqueza, é apenas mais um meio de força. Um meio de ilusão.
“Não confie em rosas delicadas”, ensinou-me Samantha, “elas possuem espinhos”.
Não entendo quando ela fica refletindo. Eu sei lá sobre o que ela quer dizer com isso.
“Preste atenção nos brutos”, ensinou-me também, “às vezes no meio de tantos espinhos existe uma muda de rosa delicada a ser colhida e cuidada com amor”.
— O que será o almoço, mamãe? — perguntou Vicente, já segurando o estômago para sinalizar estar com fome.
— Filho, só chegando em casa para sabermos — respondeu Lys, a voz suave e delicada, tão bom de ouvi-la cantar de noite ou quando faz algo e está distraída e fica cantarolando.
— Minhas mães vão almoçar conosco? — Eu tinha esperança que hoje elas estejam em casa, mas o abaixar de olhar de Lys sinaliza que não será dessa vez.
— Hoje elas estão ocupadas demais — lamentou Lys. — Mas já que elas não estão, podemos repetir a sobremesa.
Vicente comemorou, mas permaneci quieto no meu assento traseiro do carro.
Lys pediu tempo para ficar com o filho quando ele disse sentir falta, e mesmo com protestos de minhas mães, Lys não abriu mão de Vicente para o trabalho. Voltou pouco tempo a ficar fora o dia todo, mas antes disso era ela que cuidava — ainda cuida — de mim como uma verdadeira mãe. As minhas nunca abriram mão do trabalho por mim, sempre correndo para atender seu povo. Nunca seu filho.
Apenas de noite posso me desfrutar delas, a melhor parte do dia. Mesmo cansadas, permitem sorrir, e isso vale a pena esperar o dia inteiro. Muitas vezes são elas que vão no meu quarto para dormirem comigo. Meus surtos de criação as tiram o sono. Meus protestos de querê-las mais comigo a deixam tristonhas. Tento ao máximo me segurar, porque eu sei que as machucam quando me veem machucado.
Mesmo assim, insisto em referir Lys como:
— Tudo bem, mamãe.
É minha mãe, e ninguém pode tirar esse título dela. Todos já se acostumaram, apenas Vicente fica com ciúmes quando eu digo que a mãe dele é a minha também.
Vicente sempre usa a desculpa que eu não tenho nada da mãe dele, apenas ele tem traços dela, então Lys é apenas sua. Admito que os dois são fáceis de identificar como mãe e filho. Ambos possuem os cabelos castanhos, sendo os da Lys lisos e possuindo uma franja, a qual fica tirando toda hora da frente de seus olhos verdes, os mesmos olhos de Vicente. O que Lys possui que Vicente não herdou é a pele branca, deixando apenas a pele morena escura como única identidade de Fábio, o pai de Vicente. Fábio é nosso cozinheiro que sempre espera Lys em casa com deliciosos pratos para ela experimentar depois de um longo dia de trabalho. O mesmo homem que chamo de pai, já que me criou como filho.
Enquanto não chegamos, deito a cabeça na janela do carro e fico vendo os arranha-céus do lado de fora passarem rápidos com a velocidade que o carro está. Tantas espécies nas ruas correndo para seus trabalhos que não entendo a preocupação de chegarem atrasos, já que seria menos tempo no trabalho. Quando alguns me identificam como o suprinz, colocam o braço sobre o estômago e se curvam, mesmo que seja rapidamente. Nada faço além de apenas levantar a mão para cumprimentá-los.
Nas grandes telas de televisões passa comerciais de produtos, alguns eu mesmo estou nelas experimentando cereais ruins de crianças apenas para incentivá-las a comer os nutrientes que existem lá. Minha foto também está em placas, cartazes, desenhos nas paredes. Até mesmo meu nome grava nas camisas e usam como uma conquista. As marcas abusam da minha imagem e título.
“Desculpe, filho”. Uma vez minha mãe Gabriela havia me dito quando eu choramingava de dor nos olhos por tanta luz das câmeras de repórteres estarem direcionadas para mim. “Você precisa ser o símbolo deles. A esperança deles. Sem você, nada terão”.
“Eles têm você”, eu havia insistido.
Gabriela tinha me abraçado apertado, tão confortante que me fez parar de chorar e ter forças para enfrentar toda a multidão.
Suas palavras seguintes para mim foram dolorosas, algo que encheu meus olhos de lágrimas novamente:
“Não para sempre, filho”.
As terei para sempre, apenas elas que acham que não. Nunca as perderei. Tenho um plano: ser o melhor suprinz para elas pararem de trabalhar, aí eu vou cuidar das minhas mamães.
Um dia, serei Supremo.
Lys parou o carro na garagem do grande prédio feito de espelhos. Saí animado em direção do elevador, já apertando o 17° andar. Vicente e eu não paramos de conversar sequer um minuto. Depois do almoço vamos jogar, está marcado. E hoje de noite Lys deixou comermos cachorro-quente.
No andar do apartamento de Lys, meu estômago se revirou, e por um segundo, senti como se fosse vomitar.
Essa não: não posso ter crises de criação agora.
Cambaleei e segurei a parede. Tudo estava tão devagar... tão lento... tão... escuro.
— Mamãe! — Vicente gritou pela mãe enquanto me segurava para eu não desabar no chão.
Lys estava do meu lado no segundo seguinte, e esse foi meu último pingo de consciência que tive antes de minha crise chegar no ápice.
Nada mais via além de um escuro sem fim. Nada ouvia além de um eco vazio. Não sentia meu corpo existir, parecia que eu era nada.
E no meio de tanto breu, a voz sussurrante mais uma vez veio ser a minha única companhia no vazio da minha própria mente.
Estão aqui, sussurrou em alerta. Chegaram.
Quem chegou? Eu queria poder perguntar, mas não tenho boca.
O fim de uma era e o início de outra, sussurrou a voz em resposta de uma pergunta nunca feita em voz alta, apenas feita em pensamentos, o lugar onde apenas eu deveria ter domínio.
Tive medo, porque eu só não o ouço, como também o sinto. A voz não é de alguém, e sim, de algo: sombras. Eu sinto essas sombras: sou eu.
Meu poder está vivo.
As Sombras começaram a cantarolar, uma canção calma sem letra, apenas a sintonia de uma boca fechada com um vocal tranquilo que dá sono, fazendo o nada ser algo. O meu corpo em algum lugar ficando pesado, existindo.
A cação ganhava força, sendo mais do que sussurros. Era o tom de Lys. Estou deitado na minha cama do meu quarto do seu apartamento. Alguém faz cafuné em meus cabelos pretos, mas não é Lys.
Abraço mais essa pessoa, sentindo seu cheiro doce de fruta do conde. Sou abraçado fortemente, como um urso de pelúcia. Eu sentia o interior da minha mãe Samantha em alívio ao ver o filho acordado. Quis chorar pelo aperto que estou tendo no peito, mas a dor é estranha para mim.
Eu não sabia que podia colocar nomes para dores.
A dor que sinto agora é de perda. Uma perda tremenda que me sufoca, porém, mesmo tão dolorido de uma dor invisível, apenas quero abraçar Samantha e nunca a soltar.
Não me aguentei: chorei.
— Fica comigo — implorava para minha mãe que me aperta mais em seus braços. — Por favor, fica comigo.
Não sei processar meus sentimentos. Minha crise de criação sempre me deixa ao extremo de tudo. Eu soluçava tanto que me faltava ar. Já molhei todo o pescoço da minha mãe com as lágrimas que não param de escorrer.
Gritei ao chamado de Lys até ela sair da cadeira de balanço, onde cantarolava para mim, e me abraçar também. Samantha e Lys tinham confusão no olhar, o medo estampado na face, um desespero silencioso que não querem transmitir para mim, mas elas não sabem que sinto o que sentem. Meu poder está dando sinais, e um deles é sentir.
Poder idiota! Odeio esse poder.
Chorei por não saber sentir.
🅒 / 🅔 /🅕 /🅕
Dormi nos braços das minhas duas mães, acordando apenas de noite. Eu estava mais calmo, tão leve que não conseguia explicar o que sentia.
Vicente também havia dormido e acordado de noite. Ele chorou no colo do pai por me ouvir chorar. Sempre foi difícil pra ele presenciar minhas crises. Ele já me contou que quando estou desmaiado, minha pele fica pálida como de um morto, ao redor dos meus olhos se enchem de olheiras e paro de respirar. São minutos sem fim.
Mas sempre acordo no final, e essa é a parte mais difícil.
Agora eu como macarronada na mesa da cozinha de Lys e Fábio. O que era para ser o almoço, se tornou o jantar. Já era o cachorro-quente, mas a comida está uma delícia.
— Se sente melhor? — perguntou minha mãe Samantha, passando a mão nos meus cabelos para tentar ajeitar.
— Tô — foi o que consegui dizer com a boca cheia, ocasionando um estalar na língua de Samantha pela falta de educação e risos de Fábio.
— Parece um leão sem comer há dias — comentou Fábio entre risadas boas de se ouvir enquanto eu colocava mais macarrão no meu prato e fazia um joinha com o polegar pra ele.
A pele negra de Fábio está suada, mas isso é devido aos seus serviços na cozinha. Assim como Lys, ele é um syton — admiro-me sempre quando vejo suas enormes asas. Os cabelos cacheados estão dentro de uma toca para que nenhum fio caísse na comida, mas ele acabou esquecendo na cabeça, já que o jantar já está feito, e como deveria ser o almoço, tudo indica que esqueceu desde de tarde.
Minha mãe Samantha e Lys sentam ao meu lado direito, ambas sempre conversando baixinho. De vez enquanto Samantha pega o guardanapo e limpa minha boca suja de molho, mesmo com meus protestos. Um futuro Supremo não precisa que outros limpem sua boca, eu sei fazer isso. O problema é que minhas mãos sujas de molho não ajudam em nada a pegar o guardanapo limpo, pois chega na minha boca já suja.
— O que o médico disse? — perguntou Lys para Samantha, quase sussurrando. Eu as ouço por não conseguir controlar minha audição ampliada, mesmo prestando mais atenção em beber o suco de laranja sem o copo cair das minhas mãos escorregadias. — É grave demais?
— Lys, está aumentando. — Samantha parecia alarmada. — E ele só tem 10 anos.
— Isso é bom, Samantha — tranquilizou Lys, uma esperança na voz que nunca havia presenciado. — Isso quer dizer que quando for adulto, será poderoso.
— É um fardo.
— É uma benção.
— Não entende, Lys. — Samantha lamentou pela amiga, mas seu interior estava fechado, uma raiva escondida de Lys que vem crescendo ao longo do tempo, uma que minha mãe esconde para não ferir a mulher que lhe protege a cada inalada de ar. — Se fosse seu filho, você...
— Não me venha novamente com essa desculpa! — interrompeu Lys, a voz mais grave. Fábio viu a tensão no ar e se pôs em pé atrás da cadeira da esposa, segurando a cabeceira como forma de mostrar que está aqui para ela. — Meu filho já irá carregará o fardo de proteger o seu filho. Sabe o que Vicente terá que enfrentar para que o seu respire a cada dia? Não!
— Samantha, acha que é fácil para nós vê-lo como um cadáver a cada vez que possui uma crise? — Fábio entrou na discussão. — Seu filho também é o meu. É o de Lys também. Entendemos o que você e Gabriela faz por nós. Por cada ser vivo do C.E.N.T.R.O. Mas existe outros seres vivos que necessitam de cuidados.
— Henrique não é um salvador — a voz da minha mãe soou fria, agora mostrando os espinhos que escondia com sua delicadeza. — Ele é uma criança que nasceu de um homem errado. Uma criança que absorveu algo que nunca deveria ter sido libertado.
— Um homem poderoso que está transformando Henrique em algo novo junto com sua genética, Samantha. Henrique sobreviveu as sombras por causa desse misto de espécie — disse Lys, como se a lembrasse. — É uma chance de paz com o Ex.Te.R.N.O, finalmente. Depois, talvez, transformar o F.U.N.D.O.
— Não podemos salvar todo mundo, Lys — lamentou Samantha, escondendo o rosto nas palmas da mão, o cansaço a tomando o corpo.
— Mas podemos tentar. — Lys soou confiante.
— Salvar quem, mamãe? — perguntei, não aguentando mais ouvir. Sou curioso demais.
Os adultos se entreolharam em uma conversa silenciosa, uma que não entendi. Samantha beijou minha bochecha e protestou por se sujar de molho, mas ela sabia que se sujaria. Ri de sua expressão de indignada, a gargalhada que a fez relaxar o corpo e rir junto comigo. Vicente não aguentou e zoou minha mãe, dizendo que ela tinha bigode de molho.
— Ninguém — respondeu Samantha, lambendo os lábios ainda sujos de molho.
— Vidas — respondeu Lys ao mesmo momento, embaralhando sua voz com a de Samantha.
As duas se entreolharam.
Parei de rir ao sentir a intensidade do poder dessas duas mulheres. Parecia que podiam destruir montanhas, batalhar por dias sem descanso, enfrentar exércitos e saírem vitoriosas, o problema é que ambas não estão aqui para perder. Por um momento, quis saber quem venceria: minha mãe ou Lys.
Fábio não se intrometeu dessa vez, porque sabe que essa luta não existe vitória para ele.
Chegou a hora, sussurrou as Sombras.
Estremeci na cadeira, os olhos arregalados. É a primeira vez que ouço o sussurro mais nítido fora de um plano vazio.
— Filho, você está bem? — perguntou Samantha, colocando a mão em cima da minha.
— Eu...
O telefone da minha mãe tocou, a fazendo atender, mas sem tirar as mãos das minhas. O chiado dificultava a voz da pessoa do outro lado. Eu ouvia barulhos horríveis de gritos.
— Gabriela? — chamava minha mãe. — Alô, Gabriela?
Fiquei agitado. Feliz.
— Oi, mamãe! — gritei para que ela conseguisse ouvir minha voz. — Mamãe, eu tô comendo macarronada.
— Filho, faz silêncio — pediu Samantha gentilmente, ainda tentando falar com minha outra mamãe. — Gabriela, estou ouvindo nada. Está muito barulho.
Samantha tirou o celular do ouvido e colocou no viva-voz para tentar entender, já que o som alto de tumulto afetava sua audição. Não gostei de ouvir os gritos assustados das pessoas. Minha mamãe está em alguma festa?
— Eles estão entrando! — gritou minha mamãe do outro lado da linha, a voz grave. — Porra! Eles estão entrando, Samantha.
Lys correu para a grande janela da sacada do seu apartamento, sendo seguida por todos. Eu não sei para o que ela deseja ver, apenas me deslumbro de uma noite fria com as luzes dos prédios ligadas em cada moradia lá dentro, e também os barulhos dos carros e movimentação das espécies nas ruas preenche a cidade.
— Gabriela, onde você está? — gritou Samantha como se assim minha mamãe fosse ouvi-la.
— No Ex.Te.R.N.O — respondeu apressada. — Tira meu filho daí, agora!
— Gabriela, o que está fazendo no Ex.Te.R.N.O? — Lys quis saber.
— Tir-ra o-o-o m-m-eu fil-l-l-ho da-a-a-í — a voz da minha mamãe degradou, como se perdesse o sinal da ligação.
— Mamãe! — gritei seu nome em desespero, a dor no peito voltando.
— Porra! Atirem nesses filhos da puta! — Era voz de Gabriela, mas não para a gente. Ela ordenava sua frota. Uma general com seus soldados. Os sons de balas preencheram o lugar.
Lys e Fábio foram os que tiveram reação. Eles corriam para se armarem e pedia para mim e Vicente arrumar nossas mochilas com roupas. Fiquei perto do telefone com minha mãe Samantha como se aqui, Gabriela estivesse com a gente, e não tão longe de nós.
Samantha estava em choque, as lágrimas a tomando a face. Eu não entendia o motivo do desespero, mas eu estava com medo. Muito, muito medo.
Eu ouvia minha mamãe ordenando, sua voz firme. Eu a ouvia xingar os inimigos. Eu ouvia uma guerra por meio de um celular. Eu ouvia os soldados dela aos prantos para estancar o sangue que jorrava de seu machucado, seus protestos para ela parar e tentar se salvar. Eu a ouvia gritar de dor e ódio enquanto o som de balas soava alto, como se ela estivesse atirando sem parar.
— Recua! Recua! Recua, Gabriela! — gritava seus soldados, mas minha mamãe não os dava ouvidos, ela continuava na linha de frente.
— Eu lembro da primeira vez que você segurou a minha mão — a voz de Samantha estava tranquila, tão leve quanto uma nuvem. Era confortante suas palavras. Mesmo com as lágrimas, dava vontade de sorrir, e foi o que Gabriela fez, e sei disso por ouvir sua risada do outro lado.
— Sua mão tremia como se tivesse com frio — relembrou Gabriela. — Mas te beijar foi melhor.
— Essa foi a melhor sensação do mundo?
— Não.
— Então qual foi? — Samantha demonstrava curiosidade, mesmo que suas mãos tremessem e a voz já falhando.
Gabriela respondeu depois de um tempo quando teve por um segundo um pouco de silêncio antes da guerra retornar:
— Segurar meu filho no colo.
Mesmo tão triste, ainda não chorava. Eu pareço em êxtase, tão cheio de emoções que não sei administrar.
— Eu tô aqui, mamãe — soei tranquilo, como se soubesse que eu deveria passar conforto a minha mãe que enfrenta perigos. — Quando você vai chegar em casa?
Samantha chorou, como se minhas palavras fossem dolorosas demais de se ouvir.
— Ainda não sei — admitiu ela. — Pode levar tempo até nós encontrarmos novamente, mas não terá um dia que não pensarei em você, meu amorzinho.
— Chega logo, por favor.
— Vou chegar — prometeu, embora sua promessa estava vazia, existia a determinação na fala. — Henrique e Samantha — chamou ela.
— Aqui — falei.
— Eu amo vocês. — Foi a última coisa que Gabriela conseguiu dizer antes que um forte barulho tomasse o outro lado da linha, como uma explosão.
Um segundo depois, eu vi uma explosão clara no horizonte, além das proteções do C.E.N.T.R.O. Era pequena demais, parecia a chama de uma vela, mas eu sabia que era lá onde minha mamãe estava: no Ex.Te.R.N.O e bem próximo das proteções.
Samantha amassou o celular até ele não ser nada além de entulhos. Sua tristeza havia se esvaziado por fúria. Seus olhos se dilataram e se tornaram vazios. As paredes do apartamento se racharam com a pressão do poder invisível da Suprema, saindo vinhas de roseiros de dentro. Seu poder supremo estava ativo e pronto a ser liberto. O mesmo poder que estremece seus aliados.
Samantha virou-se para Lys e Fábio, ordenando, agora sem mais rosas, apenas espinhos afiados que tirará sangue:
— Protejam o meu filho.
Samantha olhou para mim, ainda perversa e cheia de ódio no interior.
— Lembre-se que sangue não define família — disse Samantha antes de abrir as asas e sair voando da sacada para onde viu a explosão.
Tentei voar em sua direção, mas Lys me abraçava nos seus braços e me impedia de ir atrás da minha mãe.
Parei de me debater em seu colo quando a luz apagou, deixando tudo no escuro sendo clareado pela luz da lua amarelada. As espécies gritavam juntas em cada parte lá embaixo, era desespero nas cordas vocais. Várias luzes tomavam o céu, se aproximando mais e se tornando uma bola flamejante.
Essas bolas bateras nos primeiros prédios perto da barreira, sendo destroçados com a pancada. Pareciam meteoros. O abalo estremeceu a terra como um terremoto, quebrando mais vidros com a pressão.
Olhei para cima, forçando os meus olhos.
O C.E.N.T.R.O está sem sua proteção, os soldados de lá não suportaram.
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Supremo Syton
FantasiHenrique tinha apenas 10 anos quando sua casa foi tomada e obrigado a ser o que ele nunca quis ser. Tornou-se o homem mais perigoso e temido pelos seus inimigos. Destinado a torturas e obediência ao seu pai, o Magnata, um sádico que o tortura se fi...