Não posso morrer agora.
Eu recebia joelhadas de Ayla no estômago, me tirando o folego e o sentido da vida. Tudo estava embaçado. Se ela continuasse nesse mesmo golpe, eu desmaiaria ali mesmo, e sei que nunca mais acordaria. O grito desesperador de Beatriz tornou-se mudo com o tempo.
A cada golpe dela, a escuridão me levava para o passado, exigindo em lembrar — em lembrar quando eu não consiga revidar. Não mais. Agora eu posso vencer essa luta.
Quando Ayla me daria mais uma joelhada, seguro sua perna e gravo minhas garras em sua carne. Seu grito de dor deu-me forças para dá-lhe uma cabeçada que a fez cambalear para trás e segurar o nariz ensanguentado.
Consigo tempo para tomar folego. Minha respiração está tão pesada que sufoco sozinho, mas tento amenizar essa dor no peito. Cuspo sangue e limpo a boca cortada.
Miserável, xingou as Sombras. A desejo morta.
— Vou te matar, Pressinhas filha da puta — urro enfurecido, os dentes trincados e segurando a expressão de dor.
Ayla, em um movimento rápido e ágil, colocou o osso quebrado do nariz para o lugar certo, ocasionando mais sangramento nasal. Seu sangue era mais denso e negro, o cheiro dele me deixava embriagado e com a garganta seca. Seu sangue me dava sede, me deixava irracional, me fazia esquecer do mundo e apenas desejar ele.
Alimente-me, meu outro eu, exigiu as Sombras.
Ataquei Ayla, atrás de sugar seu sangue, uma necessidade que as Sombras me faziam ter.
Rasguei Ayla no braço direito com minhas garras; invés de gritar de dor, ela engoliu o sofrimento e girou o corpo, onde seu pé atingiu meu rosto, o qual me fez olhar para o lado e cuspi sangue no ar.
— Eu falei para você que se nos traísse, eu te mataria — relembrou ela.
— Por um acaso Theodoro está aqui? — Abro os braços para mostrar que o que há ao redor é móveis quebrados que nós mesmo quebramos. — Não! Enquanto brincava de caçada, eu descobri onde está o Núcleo.
— No antigo laboratório de pesquisa. — Ayla viu minha surpresa. — Maria descobriu onde estava.
— Tem falado com Maria? — Chego mais perto. — Eu ordenei que não a encontrasse mais.
— Você não é porra nenhuma para me ordenar algo. — As estrelas de seu rosto cintilaram com suas palavras. — E não precisamos mais de você.
Meu ódio aumentou drasticamente.
Me queriam apenas para saberem sobre o Núcleo, e agora que sabem por meio de Maria, sou descartável.
Viro o rosto de lado, entreabrindo os lábios em um sorriso de provocação.
— Você não sabe — afirmo.
Cinco anos é pouca idade para uma criança lembrar o que aconteceu. Ayla corre atrás do Núcleo porque seus companheiros estão atrás dele. A sanguinária acredita que veio do F.O.S.SO, não que nasceu em um laboratório feito para estudar sua espécie. C.S a escondeu a verdade, e a faz lutar por uma cidade onde antes mesmo de Theodoro, é berço de experimentos de sanguinários.
— Não sei o que?
— Ah, Pressinhas, estão te adestrando como um cão para obedecer a eles. — A olho de cima para baixo. — E está sendo um belo cão de guarda.
Com um grito rouco de Ayla, a pressão do ar me jogou para trás. Bati as costas na parede que se rachou. O estalo foi a comprovação de um osso quebrado, e meu grito demonstra a minha dor.
Ayla veio até mim e me pegou pelo colarinho, me dando um soco na cara, depois outro, e mais outro. Eu não tinha forças de revidar. Tudo já se tornava nada.
— Ayla, já chega! — ouço a voz grossa de autoridade de C.S.
Ayla não parava.
Mais gritos começaram a soar.
— Por favor, Ayla, para! — reconheço a voz de Vicente.
Olho para trás de Ayla, mesmo recebendo socos dolorosos e mortais. Havia sombras vermelhas saindo da pele da sanguinária, como se fogo a queimasse a pele. Era tão pouca que a cada segundo que passava, esse poder ia se apagando, como se ele só surgisse quando sua raiva maior chegasse na superfície. Mas era poder suficiente para fazer um escudo que impedia C.S e os outros de ultrapassar e chagar até nós.
Beatriz estava lá gritando para eu reagir. C.S ordenava que Ayla parasse. Davi e Devi tentavam passar pela barreira, mas seus rostos de dor demonstram que tocar na pele, machuca.
Meus olhos se encontraram com os de Vicente.
Por uma fração de segundos, estávamos no Centro de Despejo do Lixo, ele sendo enforcado e seus olhos perdendo vida enquanto olhava para mim.
— Esse não é um adeus — digo para ele sem sair o som da minha voz. A surpresa de seus olhos foi a comprovação que entendeu, e que teve a mesma lembrança.
Grito agoniado, tão alto que abalou as paredes da caverna. Esse grito estava entalado na minha garganta por anos. De raiva e sofrimento, não dos cortes agora, de um passado doloroso.
Seguro a garganta de Ayla, fazendo-a tentar tirar minhas garras ao redor de seu pescoço. A giro com rapidez, a prensando na parede com meu corpo. Ela não tinha medo do predador que me tornei, estava lá sustentado meu olhar selvagem, mas não aceitando a derrota, como se ela morresse aqui agora, ainda fosse uma vitória dela por não ter medo, não recuar, não se acovardar.
— Mexeu com o predador errado, Pressinhas.
Enfio meus caninos alongados em seu pescoço, e invés de rasgar a carne como faço nas caçadas, eu sugo seu sangue para minha boca.
Algo dentro de mim despertou.
As sombras não estavam mais presas, elas se libertaram, como se o sangue da sanguinária fossem chaves da cela que os venho prendendo com substâncias tóxicas. O sangue de Ayla servia como algo contra essa toxidade, me limpava internamente e libertava o que estava preso.
Carcereiro, eu falei que seríamos livres, vangloriou-se as Sombras.
Era uma sensação de liberdade tão grande que me enchia o peito de satisfação.
Sombras saiam do meu corpo e deixava a sala principal de C.S obscura. A escuridão era bela. Minha escuridão. Paro de sugar o sangue de Ayla e rio freneticamente admirando aquele poder solto. Minhas ações estavam virando involuntárias, como se outra coisa me controlasse, mas eu continuasse sendo eu.
Olho para Ayla. Ela estava cansada, suguei muito do seu sangue. Afrouxo o aperto de seu pescoço e aliso com delicadeza, mostrando que a presa aqui é ela.
— Que merda é você? — perguntou ela.
— Quando eu descobri, eu te conto — falei, mas a frase foi montada pelas Sombras que saíram com minha voz. — Agora, Pressinhas, fique quieta, ainda não acabei com você.
Mordo-a novamente e tomo suas energias. Eu a mataria assim, mas minha sede de sangue era tão grande que não ligava, só queria mais e mais.
Mais sangue. Mais sangue. Mais sangue. Mais sangue.
Mais sombras. Mais sombras. Mais sombras. Mais sombra.
Hora do Carcereiro provar do próprio veneno, disse o poder sombrio.
O mundo para mim se tornou vazio e preto. Eu me tornei prisioneiro do meu próprio corpo e poder.

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Supremo Syton
FantasíaHenrique tinha apenas 10 anos quando sua casa foi tomada e obrigado a ser o que ele nunca quis ser. Tornou-se o homem mais perigoso e temido pelos seus inimigos. Destinado a torturas e obediência ao seu pai, o Magnata, um sádico que o tortura se fi...